top of page

NAVEGANDO PELA PSICOLOGIA DE MASSAS: A MITOLOGIA POLÍTICA DO TRUMPISMO
Chiara Bottici [1]
Tradução Aline Dainez, Carine Laser,
Gabriel Bichir, Régis Alves

t.1


INTRODUÇÃO

Muito se questiona hoje se as formas contemporâneas do populismo de direita representam uma nova formação política ou se o fascismo retornou. (Pereyra Doval e Souroujon 2021; Aisch et al., 2016). Essa discussão muitas vezes não leva em conta que, em alguns aspectos importantes, o fascismo nunca desapareceu. Certamente a história nunca se repete, e há características dos regimes que criaram o termo – e abraçaram explicitamente o fascismo na década de 1930 – que não retornarão. Mas como ficam as coisas se tratarmos o “fascismo” como um tipo ideal, como uma ferramenta heurística que pode ser usada para pensar e para comparar diferentes formas de poder?


Considere por um momento alguns aspectos que caracterizam o regime que reinou na Itália entre 1922 e 1943 e que deram nome ao fascismo: hipernacionalismo, racismo, sexismo, machismo, o culto ao líder, a substituição da história e de noções de verdade formuladas empiricamente por mitos políticos, o culto do Estado, concepções extremas de inimigos percebidos como ameaças à existência da nação e o consequente endosso da violência contra eles (Finchelstein 2017, p.7). Podemos, assim, ver como diferentes aspectos dessa forma de poder, após sua queda formal em 1943, continuaram a existir sob diferentes roupagens e formas não apenas na Europa, mas também em outros lugares (Albanese e Del Hierro, 2016). Podemos apontar como partidos fascistas sobreviveram na Itália e em outros lugares, como discursos fascistas permaneceram vivos e como diferentes regimes que emergiram ao redor do globo no pós-guerra exibiram alguns, ou mesmo muitos, dos traços fascistas listados acima, mesmo quando não abraçaram formalmente o fascismo em sua totalidade.


Se usamos o conceito de fascismo como uma ferramenta heurística poliédrica, podemos ver como o trumpismo, enquanto ideologia, encarna uma forma de neofascismo que apresenta características peculiares, incluindo algum respeito pelos aspectos formais da democracia representativa, a combinação da ideologia do livre mercado com a retórica populista e o paradoxo de uma crítica ao Estado e a suas elites “corruptas” que é acompanhada do recurso massivo às suas instituições. Mas o trumpismo também apresenta características de fato típicas do fascismo, tais como a forma extrema de nacionalismo, o racismo sistemático, o macho-populismo e uma legitimação implícita da violência contra inimigos. Portanto, proponho considerar o fascismo aqui como uma tendência do poder moderno e da sua lógica soberana, uma tendência que, como um rio cárstico, pode fluir debaixo das instituições formais, mas também sempre pode irromper em sua forma mais destrutiva toda vez que as condições estruturais o permitam.


Neste ensaio, gostaria de explorar os laços psicológicos que unem os seguidores fascistas a seus líderes e, em seguida, argumentar que o trumpismo, como fenômeno psicológico e político, depende justamente desse vínculo libidinal fascista. Depois de discutir brevemente a psicologia de massas freudiana, passarei a explorar os insights fornecidos por Adorno e pelas reinterpretações feministas de Freud, em particular no que diz respeito ao tipo fascista específico de psicologia de massas. Isso nos permitirá lançar alguma luz sobre os traços neofascistas do trumpismo e sua mitologia política subjacente.


1.ADORNO COM FREUD, ADORNO ALÉM DE FREUD

A fim de discutir as características da psicologia de massas que sustenta a liderança fascista, gostaria de me concentrar em um texto escrito por Theodor Adorno na década de 1950 para abordar agitadores fascistas americanos, “Freudian Theory and the Pattern of Fascist Propaganda” [A Teoria Freudiana e o Modelo Fascista de Propaganda] (Adorno, 1991, pp.132-57). Embora escrito em referência aos líderes fascistas americanos da época, esse texto fornece insights cruciais sobre a psicologia de massas fascista em geral e, assim, ajuda a iluminar o tipo de vínculo libidinal que liga os líderes fascistas a seus seguidores. Certamente, Adorno também tinha em mente a ascensão do nazismo quando o escreveu. Mas o fato de o texto tratar diretamente dos agitadores fascistas americanos da década de 1950, e não de Hitler ou de Mussolini, já é, a meu ver, uma indicação de que a propaganda fascista não parou com o fim dos regimes fascistas da década de 1940 e de que, pelo contrário, estava bem presente mesmo nos EUA antes do trumpismo.


“A Teoria Freudiana e o Modelo Fascista de Propaganda” de Adorno é um texto estranho. Apresenta-se como uma interpretação dinâmica da obra Psicologia das massas e análise do Eu, de Sigmund Freud, que, por sua vez, também é, segundo Adorno, uma “interpretação dinâmica” da descrição de Gustave Le Bon da mentalidade das massas (Ibid., p.134). É, portanto, tecnicamente falando, uma interpretação dinâmica de uma interpretação dinâmica. Apesar do empenho de Adorno em aderir à teoria freudiana, ele se afastou de Freud em pontos cruciais e, precisamente ao fazê-lo, forneceu insights particularmente incisivos sobre a natureza da propaganda fascista, incluindo o tipo que testemunhamos recentemente com o trumpismo. Daí a imagem que propus do fascismo como um rio cárstico: uma tendência do poder político moderno que pode irromper aqui e acolá, em movimentos políticos específicos ou mesmo em agitadores individuais, como pequenos riachos que não mudam a paisagem geral, mas que também podem irromper ocasionalmente como uma torrente virulenta que remodela o que encontra em seu caminho.


Apesar do dinamismo de Adorno, Psicologia das Massas de Freud continua sendo o ponto de partida de sua abordagem, e seu texto não pode ser entendido sem referência a ele. Nos primeiros capítulos desse texto clássico, repleto de longas citações de Le Bon e de outros teóricos da psicologia de massas,[2] Freud leva em consideração massas estáveis e instáveis, enfatizando a existência de vários tipos desses grupos (Freud, 1989, p.52). Uma grande ênfase é colocada na exaltação e na intensificação gerada pela imitação e pelo contágio afetivo que os membros de uma massa exercem uns sobre os outros. No capítulo III, Freud insiste que o fenômeno mais notável e importante em uma formação coletiva é a intensificação dos afetos criados pela participação em uma massa.  Em seguida, Freud define nossa tendência a imitar o estado afetivo de uma pessoa com quem estamos em contato como um “fato incontestável” (Ibid, p.26). Por meio de uma bela metáfora, ele acrescenta que existem diferentes tipos de massas, algumas temporárias e abertas como ondas altas, outras fixas e fechadas, que mais se assemelham a uma ondulação em mar aberto, assim como todos os outros tipos que se situam entre elas (Ibid, p.21).


No entanto, depois de reconceituar tal afetividade nos termos de sua teoria geral da libido, Freud subitamente passa a questionar se a presença de um líder é uma conditio sine qua non para a existência de uma massa (Ibid, p. 53).[3] Sua resposta positiva baseia-se, portanto, na constatação de que os seguidores se identificam entre si através da idealização da figura do líder, que vem, então, fornecer o cimento que mantém a multidão unida. É nesse momento que Freud também se volta explicitamente para seus dois exemplos principais, a igreja e o exército, que são, de fato, dois grupos peculiarmente hierárquicos (Adorno, 1991, p. 149). A igreja e o exército não dependem apenas de escalões bem definidos, mas também são estruturas sociais altamente institucionalizadas, o que as diferencia de outros tipos de massas, como as multidões espontâneas e abertas. No entanto, é por meio desses exemplos, juntamente com a análise do processo de identificação via idealização, que Freud chega à analogia entre a massa e a horda primordial, que doravante se torna central para esse texto e para sua psicologia de massas em geral (Freud, 1989, p.70).


Freud parece estar ciente de possíveis críticas e da falta de um argumento robusto em favor de tal analogia. Por exemplo, no início do capítulo X, o próprio Freud menciona aqueles que criticaram sua teoria da horda primordial como sendo uma “historinha”, e ainda assim continua a insistir nessa “historinha”, afirmando que não deveria ser descartada porque pode ser aplicada a muitos campos diferentes – como se a variedade de aplicações possíveis fosse por si só uma justificativa de sua validade. (Ibid., p.90)


Em resumo, a analogia entre a massa e a horda primitiva com sua poderosa figura masculina continua sendo a principal resposta oferecida à questão de saber se as massas precisam de um líder para surgir e persistir ao longo do tempo. Todos os diferentes tipos de massas mencionados no início do texto parecem se reduzir a um só tipo: o tipo cefálico, que se mantém unido pela identificação com o líder e que se alimenta da reativação da figura paterna arcaica da horda primitiva. Observe o elemento de gênero introduzido pela própria analogia: a analogia da horda primordial gira em torno da figura do pai patriarcal, o homem que é apresentado tanto como o chefe da família quanto o chefe da horda, de acordo com os tropos patriarcais da época.


Freud opera aqui o mesmo tipo de reductio ad penem,[4] que tem sido observado em muitas outras partes de sua obra – desde seus escritos sobre sexualidade feminina até seus escritos sobre religião e cultura – onde tudo gira em torno da figura do pai e aquela da mãe é insistentemente marginalizada (Horney 1924; Irigaray 1985, p.23; Kristeva, 1984, p.46; Gentile, 2016). A teoria freudiana da libido reflete esse viés, patente também em sua incapacidade de explicar a sexualidade feminina sem usar a sexualidade masculina como parâmetro.[5] Além da biografia de Freud, isso certamente reflete o patriarcado da época, que Freud encarna tão bem, mas que – vale lembrar – ele também fornece ferramentas importantes para entender e desvendar.[6] Considero isso a virtude de um gênio intelectual: transformar a própria doença em remédio para ela; no caso de Freud, isso significa transformar a cura de sua própria neurose em toda uma disciplina que pode potencialmente tratá-la.


E, contudo, posto que reduz todos os tipos de massas ao tipo cefálico, com base na história da horda primordial e do pai onipotente, a abordagem de Freud da psicologia de massas é enganosa de várias maneiras, começando pelo fato de que, na melhor das hipóteses, só pode dar conta de certos tipos de massas. Além das massas cefálicas hierárquicas, unidas pela identificação com o líder, existem outros tipos de massas, com destaque para aquelas que Elias Canetti denominou “multidões abertas”. Canetti, como Freud no início de seu texto, insiste na importância da imitação dos afetos, que é o cimento para todos os tipos de massas. Canetti chega a concluir, com base nisso, que: “A multidão aberta é a verdadeira multidão, a multidão que se abandona livremente ao seu desejo natural de crescimento. Uma multidão aberta não tem qualquer sentimento ou ideia claros do tamanho que pode atingir; não depende de um edifício já conhecido que tenha de preencher; seu tamanho não é determinado; quer crescer indefinidamente e para isso precisa de mais e mais pessoas” (Canetti, 1973, p.20). As multidões abertas são, portanto, as verdadeiras multidões porque não são mantidas juntas por um líder ou por uma estrutura hierárquica fechada, mas pelo puro desejo de fazer parte da multidão, livres para apenas seguir seu desejo de crescer e de se manter. São multidões muito diferentes daquelas identificadas por Freud através dos exemplos da igreja e do exército. Para Canetti, porém, são as multidões verdadeiras porque mostram por que as pessoas em geral se reúnem – através da imitação de afetos, que por si só é contagiosa e que gera aquele peculiar prazer decorrente da superação do medo do toque. Apenas certos tipos de multidões são cimentados através de formas cefálicas de identificação com a “cabeça” da multidão.


E é justamente nesse ponto que entram as reflexões de Adorno. Certamente Adorno não viveu em um ambiente menos patriarcal. Mas, ao contrário de Freud, ele consegue evitar qualquer reductio ad penem simplista. A razão pela qual o faz é que, apesar de sua referência à história da horda primordial com seu pai onipotente, ele limita esse diagnóstico às massas fascistas. Adorno afirma abertamente que o tipo de psicologia descrito por Freud em sua psicologia de massas é a psicologia das massas fascistas, negando explicitamente que possa ser aplicada a outros tipos de massas. Nas suas palavras:


Além disso, poder-se-ia perguntar: por que a psicologia de grupo aplicada que discutimos aqui é peculiar ao fascismo e não à maioria dos outros movimentos que buscam apoio das massas? Mesmo a comparação mais casual da propaganda fascista com a dos partidos progressistas liberais mostrará que é assim. Contudo, nem Freud nem Le Bon conceberam tal distinção. Eles falaram das multidões “enquanto tais” de modo semelhante às conceituações da sociologia formal, sem diferenciar os objetivos políticos do grupo envolvido. […]. Somente uma teoria explícita da sociedade, transcendendo em muito o âmbito da psicologia, pode responder plenamente às questões levantadas aqui (Adorno, 1991, p.149).


O argumento de Adorno aqui é duplo. Em primeiro lugar, a reconstrução freudiana da formação das massas através da identificação com o líder de fato explica a peculiar psicologia que sustenta a comunidade fascista do povo, mas não deve ser confundida com a psicologia de todas as massas per se: só se aplica às massas fascistas. Em segundo lugar, o fascismo não é apenas uma questão psicológica, pois é necessária toda uma teoria da sociedade para explicá-lo. As duas afirmações podem parecer conflitantes, então tratemos de destrinchá-las ainda mais.


Apesar do fato de que, como observa Adorno, tanto Freud quanto Le Bon tinham em mente as primeiras massas socialistas quando escreveram (e não as multidões fascistas que as sucederam), Freud não compartilha com Le Bon seu desprezo reacionário pelos movimentos de massa da época. Na perspectiva da psicanálise freudiana, todos estamos, em certa medida, doentes. E essa atitude mais neutra o leva a uma compreensão muito mais profunda do mecanismo de formação das massas: o cimento que as mantém unidas é um tipo específico de laço libidinal, isto é, a identificação narcísica. Os membros da massa podem identificar-se uns com os outros como membros do mesmo grupo porque substituíram um e o mesmo objeto, a imagem do líder, como seu ideal do eu (Ibid, 138; Freud, 1989, pp. 99-100). Eles são, por assim dizer, iguais à imagem do líder. Isso, por sua vez, explica por que o líder tem que aparecer como o grande narcisista e por que ele pode realmente fazê-lo enquanto também aparece como uma pessoa bastante comum.


Como exemplo desse narcisismo, considere a declaração de Trump em 23 de janeiro de 2016, durante sua primeira campanha presidencial: “Eu poderia ficar no meio da Quinta Avenida e atirar em alguém e não perderia nenhum eleitor” (23 de janeiro de 2016). Como observou Jay Bernstein, é em referência a esse tipo de declaração que o ensaio de Adorno é particularmente perspicaz e pode de fato nos ajudar a entender o tipo de vínculo libidinal com seus companheiros que Trump está pressupondo (Bernstein, 2021). E, eu diria, também criando ao mesmo tempo. Quem é esse grande narcisista capaz de alegar que poderia atirar nas pessoas na rua e ainda assim ser eleito?


Para explicar o papel do narcisismo, Adorno cita mais uma vez Freud, que afirmou que “o próprio líder não precisa amar mais ninguém”.[7] Mas então Adorno reformula a mesma frase dizendo que “o líder pode ser amado se ele mesmo não amar” (Adorno, 1991, p.141; grifo meu). A questão do amor, como apontou Jamieson Webster, é crucial nesse ensaio (Webster, 2017). Mas observe como Adorno vai além de Freud, acrescentando aquela pequena qualificação: “só se”. Ao fazê-lo, Adorno enfatiza ainda mais uma característica que não é apenas típica, mas, eu diria, até essencial para a propaganda fascista: o vazio do discurso do agitador fascista, a ausência de qualquer coisa que eles possam realmente “dar” e a consequente prevalência do registro de ameaça e de violência.


Isso é o que Adorno chama de ódio e aversão pelos outros como uma “força integradora negativa”, que, no fascismo, segundo Adorno, leva o nome peculiarmente vazio de raça (Adorno, 1991, p.144). Raça e individualismo burguês andam de mãos dadas. Como lemos em “Dialética do Esclarecimento”, o texto enigmático que Adorno escreveu em coautoria com Max Horkheimer, tentando dar sentido às promessas fracassadas da modernidade: “A raça hoje é a autoafirmação do indivíduo burguês, integrado ao coletivo bárbaro” (Horkheimer; Adorno, 2002, p.138). Voltando a Trump, é importante lembrar que, apesar da retórica do caldeirão cultural, a segregação racial tem sido uma característica crucial dos Estados Unidos desde o seu início: como um país construído por meio de um projeto colonial de povoamento, sua própria história é inseparável do recurso à integração negativa baseada na raça.


Como exemplo do “caráter vazio” da raça e da forma como colaborou para a autoafirmação do indivíduo burguês na história dos EUA, consideremos, por exemplo, os papéis diferenciais atribuídos à negritude e à pele vermelha. Enquanto a regra de uma gota [de sangue] no caso dos corpos negros assegurava que os escravos permanecessem trabalhando nas plantações e que sua força de trabalho pudesse ser explorada, o projeto de aniquilação dos nativos americanos foi realizado em nome do mito do “índio em extinção”, de modo que para eles funcionava a regra oposta: apenas índios de sangue puro podiam reivindicar seu direito à terra e às suas prerrogativas nos termos dos tratados. A lei estabelecida na maioria dos casos estipulava que ter uma única gota de sangue não-indígena seria suficiente para negar as origens dos índios americanos e, portanto, o direito à terra (Grand, 2018, p.92; Schmidt, 2011, p.9). Esse é um exemplo claro do quão “vazia” a noção de raça é por si só e de como pode ser preenchida com os elementos mais contraditórios mesmo em um contexto idêntico.


Os agitadores fascistas da década de 1950, bem como os neofascistas norte-americanos de hoje, podem, pois, se basear em uma longa história de racialização. Certamente a história não determina o futuro, mas apresenta possibilidades e, nesse caso, um poderoso reservatório simbólico de mitos, imagens e símbolos de racialização ao qual qualquer recém-proclamado agitador neofascista pode recorrer. Os insights de Adorno se aplicam particularmente bem a histórias coloniais como a dos Estados Unidos: a raça pode funcionar como um espaço “vazio” que define o grupo negativamente (“nós não somos eles”) e, assim, pode ganhar forma apontando para todos os diferentes tipos de alvos: como vemos hoje na propaganda de Trump, imigrantes mexicanos, chineses, muçulmanos, mas também aqueles que não se conformam à imagem idealizada do líder, incluindo, como veremos agora, minorias sexuais e de gênero que não se conformam à família patriarcal heteronormativa encarnada na propaganda de Trump e de sua mítica “América”.


2.A PROPAGANDA NEOFASCISTA DE TRUMP

Embora muito tenha sido escrito sobre raça e nacionalismo nos estudos sobre o ressurgimento contemporâneo do autoritarismo ao redor do mundo, muito menos ênfase tem sido dada ao papel central do gênero nesta nova constelação. E, no entanto, como Judith Butler enfatizou, não podemos entender o primeiro sem o segundo (Butler, 2019).


A batalha explícita contra a chamada "ideologia de gênero" começou nos anos 90 quando o Conselho da Família Católica Romana advertiu contra a ideia de "gênero" como uma ameaça à família e à autoridade bíblica. Segundo Butler, "o furor começou há alguns anos quando o conselho familiar do Papa, então dirigido por Joseph Ratzinger, advertiu que os teóricos do gênero estavam colocando em perigo a família ao questionar a noção de que os papéis sociais adequadamente cristãos poderiam ser derivados do sexo biológico. Estava na natureza do sexo que as mulheres fizessem trabalho doméstico e que os homens empreendessem ações na vida pública. Dizia-se que a integridade da família, entendida como cristã e natural, foi posta em perigo por esta ideologia de gênero" (Ibid, p. 3). Desde então, a "ideologia de gênero" tornou-se um significante para qualquer questionamento da família entendida como uma instituição enraizada em um suposto sexo biológico e, portanto, na própria criação de Deus: questionar a ideia de que sexo determinado biologicamente é o destino significa, portanto, questionar tanto a instituição da família quanto a autoridade de Deus, e pode, portanto, ser literalmente visto como "diabólico" (Ibid, p. 3-4). Isto permite que seus detratores unifiquem tanto feministas quanto ativistas LGBTQ+ na mesma trama envolvendo uma conspiração para subverter o que Deus pretendia: a divisão natural de tarefas entre os dois sexos biológicos, com a mulher subordinada ao homem, assim como a costela da qual Eva derivou está subordinada ao resto do corpo de Adão no Livro de Gênesis.


Embora a cruzada contra a "ideologia de gênero" tome diferentes formas em diferentes contextos, desde o fechamento dos institutos de estudos de gênero nos últimos anos até o incitamento à violência contra todos aqueles que ensinam e estudam gênero, o que todos esses episódios têm em comum é que eles proliferam em contextos onde o populismo de direita e o neofascismo estão em ascensão. Isto não é uma surpresa, já que o patriarcado tem sido um componente da ideologia fascista desde o seu início. O slogan do regime que inventou o termo "fascismo" resume explicitamente esta conexão: "Dio, patria, famiglia" (Deus, pátria, família). A tríade começa com a invocação do Deus do Cristianismo, que, como Simone De Beauvoir observou, é uma religião tão impregnada de patriarcado que até poupou a seu deus a mancha de nascer através do corpo de uma mulher (De Beauvoir 2011, p. 186). Graças ao dogma da concepção imaculada, que, na história do cristianismo, é mais tarde reforçado pelo do nascimento imaculado, os deuses cristãos (masculinos) aparecem como tão onipotentes que podem nascer através do corpo feminino sem nunca tocá-lo. A tríade fascista italiana (Deus, Pátria e Família) lembra assim a trindade cristã de Pai, Filho e Espírito Santo, em sua conspícua negação de qualquer status divino ao "segundo sexo".[8] Isto não é apenas uma peculiaridade do cristianismo, mas de todas as três grandes religiões monoteístas do livro, nenhuma das quais tem muito espaço para as deusas femininas. Além do fato de que o cristianismo e o islamismo continuam sendo as maiores religiões do mundo (Hackett; McClendon, 2020), de modo que não podemos descartar facilmente seu poder de propagar uma visão patriarcal do mundo, considere como este viés embutido pode fornecer uma justificação ideológica muito mais ampla para o que Butler chamou de "duplicação dos dois pais (liderança familiar e estatal masculina)", que é uma das marcas registradas da propaganda contemporânea de direita e neofascista (Butler, 2020).


Embora Adorno não se concentre especificamente nas minorias sexuais e de gênero em seu ensaio sobre propaganda fascista, ele enfatizou como o ódio aos outros como uma força negativa integradora é de fato um de seus traços distintivos, e, portanto, traço que unifica os agitadores fascistas americanos dos anos 50, a que Adorno se refere no início de seu ensaio, com Hitler e os outros agitadores fascistas dos anos 30, que também são centrais para o pensamento de Adorno. Com uma operação semelhante à de Adorno, podemos estender sua análise dos líderes fascistas dos anos 50 a Donald Trump e a outros agitadores fascistas de nosso tempo e ver um tipo muito semelhante de formação de grupo via identificação narcisista com a imagem do líder. Trump não é Hitler, e nós não vivemos sob o nazismo durante a presidência de Trump, mas, como salientou Butler, entre outros, a retórica que Trump usa e os laços libidinais que ligam seus seguidores a ele são fascistas (Ibid).


Tantas características da propaganda de Trump correspondem àquelas enumeradas por Adorno: da rígida distinção entre o "amado dentro do grupo" e o "rejeitado fora do grupo", à técnica de personalização centrada na figura do "grande pequeno homem"; do dispositivo "ovelha e cabra" à repetição e padronização de slogans, tão típicos do pensamento estereotipado e da propaganda fascista.


Como um exemplo de propaganda tipicamente fascista, considere o slogan central da campanha de Trump, "Make America Great Again [Faça a América grande de novo]".[9] Embora este seja um slogan curto, a meu ver, é particularmente crucial, pois pode condensar em poucas palavras a essência da mitologia política de Trump. Mitos políticos não são narrativas que são dadas de uma vez por todas, mas sim processos de elaboração de um núcleo narrativo que respondem a uma mutante necessidade de significado. Como já argumentei em outro lugar, um mito político consiste em todo o "trabalho relativo" ao mito que tem lugar não apenas no momento da produção, mas também através da recepção e, portanto, constante reelaboração de um único núcleo narrativo.[10] Dito de outra forma, este slogan funciona como um "ícone", ou seja, como uma imagem que, por meio de sinédoque, reproduz e intensifica todo o trabalho afetivo sobre o mito que está por trás dele.[11] Consequentemente, ao avaliar o poder de um mito político, deve-se olhar não apenas para suas declarações iniciais explícitas, mas também para todo o processo de sua produção-recepção-reprodução.


"Make America Great Again!” Cada palavra é importante. Vamos explorar uma por uma e destrinchar o "trabalho" que está por trás delas.


"America": O termo aponta para a ideia de uma nação, de uma entidade espiritual que é diferente do aparato estatal e da série imanente de corpos que compõem a cidadania dos Estados Unidos. Muito da retórica de Trump aponta precisamente para esta separação: "Make the United States Great Again! [Faça os Estados Unidos grande de novo]" teria incluído todas aquelas pessoas que atualmente residem no país, reconhecendo a diversidade de sua composição racial e étnica. Em vez disso, ao falar de "América", o slogan se refere claramente a uma outra entidade, uma nação mítica, um espaço que está ao mesmo tempo ligado, mas também distinto do Estado, seu território e a soma dos corpos que o habitam atualmente.


Se analisarmos a propaganda de Trump, não é difícil detectar algumas características desta suposta nação. Por exemplo, Trump fala consistentemente dos Estados Unidos como se todas as pessoas dentro dele pertencessem à classe média. Este efeito é conseguido apresentando especificamente problemas da classe média como se fossem universais: como fazer os aeroportos americanos parecerem tão bonitos quanto os de Cingapura e Abu-Dhabi é um bom exemplo (Ferris, 2016). Não é necessário dizer que é preciso ser bastante rico para sequer perceber a estética dos aeroportos como um problema. No entanto, falando como se fosse assim, Trump consegue alimentar o desejo de mobilidade social, para que a classe média se torne um espaço mítico onde todos devessem estar e assim, implicitamente, sentir-se convidados (Pressman, 2017; Tracy, 2017). E, mais importante ainda, através desta representação mítica, as enormes diferenças de classe existentes nos Estados Unidos são varridas para debaixo do tapete.


Da mesma forma, a mitologia de Trump sobre a nação de classe média americana é reforçada por seu sistemático alvejamento dos socialistas e, portanto, daqueles que mais insistem nas desigualdades de classe. Em um tweet de julho de 2019, por exemplo, Trump afirmou: "Nós nunca seremos um país socialista ou comunista. SE VOCÊ NÃO FOR FELIZ AQUI, VOCÊ PODE SAIR! A escolha é sua, e somente sua. Trata-se do amor pela América. Certas pessoas ODEIAM nosso País..." (Donald J. Trump, 15 de julho de 2019, @realDonaldTrump; ênfase no original). Os socialistas não podem pertencer à "América" porque suas ideias sobre as desigualdades de classe questionam esta mítica América de classe média: qualquer questionamento de tal mitologia equivale a "ODIAR" (ênfase original) a própria América, e, portanto, à exclusão dela. Este é o poder inconsciente do mito político como uma lente através da qual um mundo é implicitamente construído: se você questionar uma peça crucial do mito fundador da América de classe média branca, então você será automaticamente categorizado como alguém de fora, como um dos inimigos da América.


Este é apenas um exemplo das muitas declarações de Trump contra os democratas socialistas e de esquerda, mas que é particularmente significativo porque mostra como funciona realmente a construção mítica de um americano homogêneo, branco, de classe média. Veja, por exemplo, um tweet paralelo, de alguns dias antes, no qual imigrantes eram tornados alvos de forma semelhante, como sendo não americanos supostamente por sua própria escolha: "Se os imigrantes ilegais estão insatisfeitos com as condições nos centros de detenção rapidamente construídos ou remodelados, basta dizer-lhes para não virem. Todos problemas resolvidos"! (Donald J. Trump, 3 de julho de 2019, @realDonaldTrump; ênfase no original). Assim, ao tomar as reclamações dos imigrantes como alvo, Trump também sugere implicitamente que seu lugar não é aqui, que eles são diferentes. Como tal, é criada uma divisão entre os indivíduos que atualmente residem nos Estados Unidos e aqueles que pertencem a uma "América" mítica e muito mais ancestral – embora esse mito convenientemente não chegue a reconhecer os verdadeiros habitantes indígenas desta terra, retratando assim a América como uma entidade essencialmente branca. Um exemplo de como isto pode ser realizado é a proposta de Trump de tornar obrigatória a arquitetura clássica para edifícios federais: alimentando a narrativa de que a "América" deriva do passado grego e romano, e não de sua herança indígena americana, a retórica e as políticas (propostas) de Trump alimentam a mitologia colonial dos colonos dos Estados Unidos de uma terra nullius, de uma América que os colonos brancos tiveram que "preencher" com sua história europeia, porque ninguém estava presente antes de sua chegada.[12]


"Again [de novo]": esta é a palavra mais importante em todo o slogan. Se tivesse sido "Make America Great! [Faça a América grande]", a frase teria correspondido ao convite habitual à grandeza, o que não é fascista por si só. Pelo contrário, o que é típico do fascismo é a combinação precisa do nacionalismo com o mitologema da "grandeza-declínio-renascimento": esta trama narrativa permite aos aderentes destacar aqueles que são percebidos como a causa do declínio, apontar-lhes como culpados, e assim canalizar e alimentar hostilidade contra eles (Paxton, 2007, p. xv, 332). Pode-se então, além disso, distinguir entre os diferentes graus de fascistização do Estado, dependendo se isto gera um incitamento à violência por "grupos de do-it-yourself [faça-você-mesmo]" e indivíduos autoproclamados ou por aparelhos estatais. Mas o mitologema do bode expiatório permanece o mesmo. O fascismo se baseia fundamentalmente na xenofobia, no racismo e no sexismo precisamente porque sua narrativa fundadora de "grandeza e declínio" é baseada em tal mecanismo: incita a graus de hostilidade e violência para com os outros – no caso do trumpismo, os políticos estabelecidos que corrompem o sistema, os imigrantes mexicanos que roubam nossos empregos, o povo chinês que espalha Covid-19, as minorias sexuais que questionam a família tradicional heteronormativa, os imigrantes muçulmanos, em suma, todos aqueles outros que são responsáveis pelo declínio de uma mítica "América" patriarcal de classe média e branca.


"Make [faça]": este verbo imperativo é o pivô na chamada para a identificação. Trump tem sugerido repetidamente que ele é o único que pode corrigir a situação (Appelbaum, 2020). Seu sucesso como homem de negócios e o tom incendiário e exagerado de sua retórica são todos destinados a instilar uma sensação de excepcionalidade. Aqui reside o apelo de identificar-se com o líder carismático: "só você pode votar em mim" é o outro lado de "só eu posso consertar isso". O convite para "fazer" é assim um convite para fazer parte deste movimento excepcional, deste esforço único para consertar as coisas, para restaurar o que foi perdido, o que o povo diabólico nos tirou.


"Great [grande]": é digno de nota que, no slogan original, este modificador é seguido por um ponto de exclamação. Este último reforça a sensação de identificação vertical, de uma grandeza que vai para cima. Ao longo de ambas as campanhas presidenciais, foi dada muita ênfase a esta linguagem de grandeza e a uma correspondente linguagem de tamanho. A aparente frivolidade da discussão a respeito do tamanho das mãos de Trump durante sua primeira campanha presidencial serviu precisamente para sublinhar a noção de que tudo mais poderia ser grande, tão grande quanto o tamanho da Trump tower [torre Trump], que é o epítome tanto de sua retórica fálica quanto de seu poder corporativo (Soffen, 2020).


O mito da nação, a narrativa da "grandeza-declínio-renascimento", o chamado à identificação com o líder e a retórica da grandeza mostram uma continuidade significativa com a psicologia de massas do passado: esta é uma forma muito tradicional de identificação com líderes estatais que exibem excepcionalidade e grandeza fálica. Ela sugere um processo de incorporação dentro do corpo político, onde a face de seu líder torna-se a cabeça do corpo, e onde os corpos individuais são subsumidos em um movimento vertical ascendente. Nesse sentido, a retórica de Trump também conta com uma história muito mais longa de formas verticais de identificação com o "chefe" de estado – uma história que remonta pelo menos à aparição do estado soberano, se não, como sugeriu Freud, à da igreja e do exército. Neste sentido, ela pode se alimentar e exibir o poder do apelo imaginário do estado moderno (Bottici, 2014, p. 93-95).


A retórica de Trump pode, assim, ser traçada a partir de uma história muito mais ampla de representações mitológicas do "chefe" de Estado, uma que, no caso da presidência dos EUA, também conserva características quase da realeza. Em contraste com outras presidências que foram instituídas muito mais tarde, a dos EUA, que foi estabelecida no século XVIII através da separação da coroa britânica, ainda conserva muitas características da realeza: pense por exemplo nos rituais que envolvem a própria família do presidente, com o culto à "primeira dama", e as cerimônias em torno da residência de tal família, não por acaso chamada de "Casa Branca" e tomando a forma de um templo grego. Podemos ver aqui, mais uma vez, a duplicação dos dois pais mencionados anteriormente: o chefe de família e o chefe de estado.


Para resumir este ponto, o ícone do chefe de estado, o apelo por uma forma vertical de identificação com o líder e a retórica de grandeza mostram uma continuidade significativa com o passado: tal é uma forma muito tradicional de identificação com um líder dotado de grande poder e grandeza fálica. No entanto, o trumpismo não é apenas uma repetição do antigo. O mito político de Trump não se baseia simplesmente em um antigo reservatório mitológico: ele também exibe novos elementos que o transformam poderosamente, adaptando-o aos desafios de nosso tempo.


Note, por exemplo, que o lema "Make America Great Again!" é gravado em bonés de beisebol vermelhos. Não só isso: Trump tem sido mostrado com frequência usando um desses bonés e vestido de forma mais casual. Como vimos no ensaio de Adorno, é típico do fascismo se apoiar em pequenos homens, que podem parecer como um de nós, e assim facilitar o processo de identificação. Mas por que bonés de beisebol e este registro de esporte e jogo? Para aqueles que são estrangeiros residentes, como eu, o boné de beisebol aparece como o típico chapéu "americano", algo que distingue os cidadãos desta nação dos demais. (Motsinger, 2020; Bass-Kreuger, 2020). Podemos ver aqui como as narrativas míticas são transmitidas e reproduzidas através de gestos rituais, como o uso do boné de beisebol: ao fazer isso, Trump pode explorar estereótipos, visões inconscientes e efeitos ligados à imagem do boné de beisebol, e conectá-los com valores e ideais do esporte e da competição, que são precisamente aqueles necessários para trabalhar dentro de uma corporação neoliberal. Vimos como tais valores funcionam no reality show "O Aprendiz", onde Donald Trump de fato desempenha o papel real demais do "chefe" da corporação.


O gesto ritual de usar um boné funciona, assim, tanto como uma forma de conectar a retórica de Trump a um reservatório pré-existente, tradicional e simbólico (no qual o boné de beisebol é o chapéu americano) quanto para (re)produzir uma nova versão desse reservatório, uma versão que responda à necessidade de significado dos cidadãos americanos nas primeiras duas décadas do século XXI: tornarem-se bons jogadores no jogo da (in)corporação. A referência ao boné de beisebol pode assim apontar para um casamento entre nacionalismo e a linguagem do esporte que é típica do neoliberalismo. Os discursos motivacionais de Trump, suas metáforas esportivas, o "nós" versus "eles" na competição econômica global, todos apontam para a linguagem da competição econômica e a luta pela sobrevivência dentro dela. Como Christian Fuchs observa em seu estudo da ideologia de Trump, competição e darwinismo social é um componente crucial da ideologia de Trump, na medida em que emerge de uma análise de todo seu estilo de vida, sua persona digital e suas declarações.[13]


Mais do que a figura do Big Daddy [grande papai] associada aos fascismos do passado, alimentando-se de fantasias arcaicas de medo e proteção como as invocadas pela horda primordial de Freud, Trump se apresenta como o treinador de equipe ideal, um pouco papai, mas também um pouco mamãe, a figura parental que passou pelo mesmo jogo duro e, portanto, sabe como melhor conduzir seus seguidores através dele. Há muita coisa velha nesta forma de fascismo, mas há também muito coisa nova: a identificação com a figura paternal protetora, que manterá as pessoas "más" fora da pátria, mas também a figura materna, que o alimentará, cuidará bem de você, e o treinará para ser um bom jogador de equipe, como em qualquer boa corporação. Isto, como veremos agora, é um desempenho particularmente poderoso quando transmitido através de mídias sociais como o Twitter que atingem diretamente os milhões de seguidores de Donald Trump com mensagens como as seguintes: "Todos os democratas acabam de levantar a mão para dar a milhões de estrangeiros ilegais uma assistência médica ilimitada. Que tal cuidar primeiro dos cidadãos americanos? Esse é o fim dessa corrida" (Donald J. Trump, 27 de junho de 2019, @realDonaldTrump). Mais uma vez, ao apresentar os democratas como aquelas pessoas más cuidando de "estrangeiros", a retórica de Trump atinge um duplo efeito: por um lado, atacar seus inimigos políticos e, por outro lado, apresentar-se como a boa e cuidadosa figura materna cuidando de "nós", reforçando assim o processo de identificação com o líder.


3.LÍDERES DE ARAQUE [PHONY] E A PERFORMANCE DIGITAL DA IDENTIFICAÇÃO FASCISTA

Muitas características do trumpismo que deixaram comentadores atônitos e despreparados poderiam, de fato, ser resumidas com a fórmula sucinta de Adorno: o paradoxo do líder fascista que aparece ao mesmo tempo como um super-homem e como uma pessoa comum, "da mesma maneira como Hitler posava como uma mistura de King Kong e barbeiro suburbano" (Adorno 1991, p.141). Uma vez que, para a maioria dos seus seguidores, o seu ideal do eu não está muito distante do seu eu, o fato de Trump aparecer simplesmente como sendo um pouco melhor do que eles, apenas mais rico e audacioso, facilita o processo de identificação. Como diz explicitamente Adorno:


São teatrais [phony/theatralisch] tanto os líderes quanto o ato de identificação das massas e o seu suposto frenesi e histeria. As pessoas não acreditam completamente em seu líder, assim como, no fundo do coração, não acreditam realmente que os judeus sejam o diabo. Elas não se identificam realmente com ele, mas encenam essa identificação, performam o seu próprio entusiasmo e, assim, participam na performance de seu líder. É por meio dessa performance que alcançam um equilíbrio entre suas necessidades instintivas, continuamente mobilizadas, e o estágio histórico de esclarecimento que alcançaram e que não pode ser revogado arbitrariamente. Provavelmente, é a suspeita dessa ficcionalidade de sua própria “psicologia de massas” que torna as multidões fascistas tão impiedosas e inacessíveis (Ibid, tradução nossa).


A distinção entre “identificar-se com o líder” e “encenar essa identificação” é crucial. Podemos acrescentar aqui que talvez não seja por acaso que Trump, como outros agitadores autoritários dessa nova geração, como Silvio Berlusconi, foi também um performer profissional: a questão não é tanto o ódio pelos outros, mas a performance desse ódio, o que explica a ambivalência e a ironia de tais performances.


Ao refletir sobre as contribuições de Adorno para a compreensão do neofascismo contemporâneo, Vladimir Safatle introduziu a noção de “riso fascista”: o que é típico das formas contemporâneas de fascismo, segundo essa perspectiva, é que elas encarnam uma forma de poder que ri de si mesmo, encenando, assim, uma forma de identificação “irônica” com o líder, uma falsidade que se afirma ironicamente.[14] Como exemplo desse “riso fascista”, considere um tweet que Trump escreveu em março de 2018: “O Oscar mais mal avaliado da HISTÓRIA. O problema é que não temos mais Estrelas – exceto seu Presidente (brincadeira, é claro!)” (Donald J. Trump, 6 de março de 2018, @realDonaldTrump).


“HISTÓRIA”, escrita em maiúsculas, registra a ausência de estrelas na cena: “exceto seu Presidente”, também escrito com letra maiúscula. Enquanto todos os outros presidentes dos EUA anteriores a Trump usaram as redes sociais como forma de anunciar o resultado de uma política que vinha sendo discutida há muito tempo ou para algum outro anúncio público formal, Donald Trump usa as redes sociais, e o Twitter em particular, como uma ferramenta para expressar suas próprias opiniões e seu estado de espírito, como se fosse um de seus seguidores que, no momento da redação desse artigo, somam 88,8 milhões (Mathers, 2020). Com sua comunicação incendiária e apaixonada alcançando um número tão astronômico de usuários, ele pode literalmente aparecer como “um de nós” ao mesmo tempo que se designa como excepcional: se você é um de seus 88,8 milhões de seguidores, você participa de uma performance com “@realDonaldTrump” como uma das muitas pessoas com quem você interage diariamente nas redes sociais e também como a “única Estrela” disponível nesse momento da história, uma Estrela que é até capaz de rir de si mesma.


Essa ironia, segundo Safatle, é algo que Adorno já tinha compreendido como típico da produção da ideologia na era da televisão: ideologia não é simplesmente falsa consciência, mas, através da indústria cultural, torna-se uma falsidade que se sabe como tal e, no entanto, afirma-se ironicamente (Safatle, 2020). Embora essa seja certamente uma característica das imagens da mídia desde a invenção da televisão, penso que as mídias sociais contemporâneas acrescentam uma nova dimensão a essa lógica. De saída, as mídias sociais exacerbaram tanto a mudança quantitativa como a qualitativa na natureza das imagens que medeiam a política contemporânea. Como argumentei longamente em outro lugar, a virtualização mudou a fenomenologia da imagem, a maneira como nos relacionamos com as imagens suspendendo a sua realidade, ao passo que o crescimento da competição pela nossa atenção aumentou exponencialmente a sua espetacularização: enquanto no caso da telona ou dos cinemas analisados por Adorno podia-se contar com um espectador comprometido a sentar-se durante certo período, no caso da mídia individual, consumida por espectadores distraídos no metrô, no parque, ou na barbearia, as imagens têm que competir por atenção com muito mais fontes de distração e, assim, lutar pelo acesso à imaginação das pessoas através de uma competição muito mais acirrada. Daí o crescente recurso ao registro do espetacular e sua concomitante virtualização e suspensão da verdade: devido a essa sobrecarga afetiva, as imagens já não são simplesmente o que medeia a nossa forma de fazer política, mas são também o que ameaça fazer política no nosso lugar.


Ao interagir no Twitter com seu líder e com seus seguidores, os apoiadores de Trump não apenas se sentem, mas literalmente se tornam protagonistas da performance do “grandioso renascimento” que a invocação de Trump de “Make America Great Again!” desencadeou. Eles nem sequer precisam imaginar como é o seu presidente ou o que ele pensaria sobre X, Y e Z nesse momento do espaço e do tempo. Esses pensamentos estão constantemente lá, zumbindo em seus telefones celulares. As redes sociais como Twitter, Facebook e Instagram são um componente crucial do atual ressurgimento do autoritarismo em todo o mundo e seu poder dificilmente pode ser superestimado: quando você navega nas mídias sociais, com sua promessa de amizade e de comunidade, você está literalmente navegando em uma certa forma de psicologia de massas. A fim de enfatizar o quanto o capitalismo autoritário se alimenta de tais mídias hoje em dia, Christian Fuchs convenientemente as designa como "demagogas digitais" (Fuchs, 2018).[15] A questão não se resume ao fato que personalidades autoritárias como Trump podem manipular habilmente seus seguidores, mas que essas mídias têm por si próprias uma lógica tão manipuladora porque se alimentam profundamente dos afetos que circulam no inconsciente e os exacerbam. Pense, por exemplo, em como funciona o algoritmo que decide qual tweet, qual postagem do Facebook será exibida em um feed de notícias: selecionando a imagem e o conteúdo com maior probabilidade de mantê-lo grudado na própria mídia, aqueles capazes de capturar a sua imaginação e as suas emoções. Daí a tendência a produzir versões emocionalmente carregadas e polarizadas da realidade que progressivamente alienam aqueles que – literalmente – a veem de forma diferente.


E, contudo, como observa Adorno na passagem citada acima, a performance da identificação, que está na base da psicologia das massas fascistas e que é exponencialmente aumentada pelas novas mídias sociais, não pode explicar o fascismo propriamente dito. A psicologia pode, na melhor das hipóteses, descrever os mecanismos desencadeados pela propaganda fascista, mas não explica por que são desencadeados em primeiro lugar. Precisamos de toda uma teoria da sociedade a fim de explicar por que essa propaganda surge e que tipos de interesses a sustentam. Para isso, como Adorno e com Adorno, precisamos ir além da psicologia de massas e, certamente, além de Freud. Mais ainda: se permanecermos confinados ao nível da psicologia de massas em nossa compreensão do fascismo, argumenta Adorno, podemos acabar reforçando a mesma ideologia que o sustenta. Em uma passagem surpreendente, Adorno afirma:


O fascismo enquanto tal não é uma questão psicológica e […] quaisquer tentativas de entender as suas raízes e o seu papel histórico em termos psicológicos ainda permanece no nível das ideologias tais como a ideologia das “forças irracionais” promovida pelo próprio fascismo. Apesar de o agitador fascista certamente remeter a certas tendências dentro daqueles a quem se dirige, ele o faz como delegado de poderosos interesses políticos e econômicos. As disposições psicológicas não causam efetivamente o fascismo: pelo contrário, o fascismo define uma área psicológica que pode ser explorada com sucesso pelas forças que o promovem por razões de interesse próprio inteiramente não-psicológicas. (Adorno, 1991, p.151. Tradução nossa.)


Se Adorno tem razão em dizer que o interesse próprio também não é uma questão psicológica, eis uma questão que vai além do escopo deste artigo. Mas certamente podemos concordar com ele quando diz que o fascismo define uma certa área psicológica, e que é precisamente isso que vemos ser mobilizado tanto pelos agitadores fascistas norte-americanos dos anos 1950 como por suas versões contemporâneas. Todavia, permanecer no nível das explicações puramente psicanalíticas pode ser muito perigoso, pois corre-se o risco de reproduzir as ideologias que justificam a própria psicologia de massas fascista.


A formulação de Adorno, na passagem que acaba de ser citada, é muito sintética e deixa espaço para diferentes interpretações, mas também sugere uma série de outras questões que podemos levantar ao reler o texto de Adorno hoje: Que tipo de ideologia acabamos reproduzindo quando permanecemos exclusivamente no nível das explicações psicanalíticas? Será a ideologia patriarcal que, como vimos, se reflete na teoria freudiana? Podemos compreender a natureza da psicologia que sustenta o fascismo hoje aplicando as ferramentas psicanalíticas elaboradas por Freud para desvendar os fundamentos da estrutura familiar burguesa europeia, centrada na tríade mãe, pai e filho, sem reproduzir essa estrutura? Até que ponto a psicanálise pode ser exportada para contextos não ocidentais se, por exemplo, é verdade que, como argumenta Frantz Fanon, alguns povos, como os antilhanos, não têm o complexo de Édipo (Fanon, 2008, p. 130)?


Ao aplicar acriticamente a teoria freudiana a contextos tão diversos, há de fato o risco de incorrer em eurocentrismo, de reproduzir implicitamente o mesmo modelo de família burguesa europeia como o modelo pelo qual se medem todos os outros. Podemos pensar que estamos nos aproximando da “infância do mundo” por meio da nossa própria investigação psicanalítica, mas, ao longo do processo, também podemos acabar descobrindo que só estamos indo em direção ao inconsciente europeu (Ibid, p.166). O perigo não é apenas o eurocentrismo e, portanto, um viés baseado em uma história peculiar que pode nos impedir de compreender contextos radicalmente diferentes, tais como aqueles com estrutura familiar muito diferente. Ao fazer a estrutura familiar burguesa europeia aparecer implicitamente como a estrutura familiar normal, centrada nas relações mãe-pai-filho, corremos o risco de apresentar como natural um arranjo social historicamente situado, o que é, de fato, a operação típica da ideologia. Pior ainda: ao tentar entender o fascismo, junto com a ideologia racista e patriarcal que o sustenta, podemos até acabar reforçando seus próprios fundamentos conceituais.


Se for esse o caso, então em nossa tentativa de compreender o fascismo contemporâneo também devemos proceder com Adorno, mas também além dele, acrescentando, desse modo, à sua psicologia de massas não apenas toda uma teoria da sociedade, mas também um repensar dos potenciais preconceitos patriarcais e racistas que a teoria freudiana pode carregar dentro de si se aplicada acriticamente em toda parte.

t.2
t.4
t.3
t.5
t.6
t.7
t.9
t.8
t.10
t.11
t.12
t.13
t.14
t.15
1

NOTAS

1. Gostaria de agradecer a Amy Allen, Aris Komporozos-Athanasiou, Benoit Challand, Judith Butler, Simona Forti, e Jamieson Webster por lerem e comentarem os rascunhos anteriores desse texto. Pela assistência à pesquisa, sou grata a Lucas Ballestin. Uma versão anterior de uma parte desse estudo apareceu no “Public Seminar” em 2016, https://publicseminar.org/2016/11/the-mass-psychology-of-trumpism/.

2. A psicologia de massas tem uma história muito mais ampla do que posso reconstruir no breve espaço desse estudo. Para uma reconstrução útil da história da psicologia de massas, do ponto de vista de sua possível aplicação a uma análise do trumpismo, ver: Zaretsky, 2018.

3.  Essa importante mudança acontece no capítulo V, após a introdução no capítulo IV de sua teoria da libido, sugerindo assim que é nesse último capítulo que se introduz um viés para com um certo tipo de libido.

4.  A operação é de fato uma forma de reductio ad unum, que é de redução ao um, mas com a importante ressalva de que o um é o desenvolvimento da libido nos machos. 

5.  Por exemplo, em seu famigerado ensaio sobre a sexualidade feminina, um tema que ele começa a abordar com relutância e que conclui ser um “quebra-cabeça a ser deixado para os poetas” (Freud, 1965, p. 167), Freud apresenta toda uma reconstrução da sexualidade feminina feita do ponto de vista do desenvolvimento da libido em machos, levando a suas declarações muito controversas sobre a suposta inveja feminina do pênis.

6.  Recentemente Joel Whitebook, em sua biografia intelectual de Freud, fornece novas evidências históricas sobre a razão pela qual o próprio Freud não pôde realmente lidar com a sexualidade feminina (Whitebook, 2017, p. 52).

7.  Vale ressaltar que, de acordo com um estudo do New York Times sobre o uso do Twitter por Trump, publicado em 2 de novembro de 2019, “a pessoa que ele mais elogiava era ele mesmo”. (Shear; Haberman; Confesore et al., 2020). Observe também que ele repetiu esse feito a propósito da pandemia de Covid-19 (Peters; Plott; Haberman, 2020).

8.  Por "segundo sexo" de Beauvoir quer dizer mulheres, mas podemos entender esta frase de tal forma que ela inclui todas as outras minorias de gênero que são igualmente secundárias em relação ao "primeiro sexo", ou seja, para o homem cis-gênero. 

9.  O slogan icônico de Trump "Make America Great Again", ou MAGA, foi inspirado pelo ex-presidente Reagan "Let's Make America Great", que Trump reconheceu, mas que também afirmou ser invenção sua (Seipel, 2020).

10.  Tomo a expressão "trabalho sobre o mito" (Arbeit am Mythos) de Hans Blumenberg, que enfatizou este aspecto processual do mito em sua grande obra do mesmo título. Veja: (Blumenberg 1985). Blumenberg, no entanto, não se concentra explicitamente no mito político neste trabalho. 

11.  Para uma discussão sobre a noção de "ícone", ver Bottici e Challand 2010, p. 27.

12.  Em 4 de fevereiro de 2020, circulava em Washington um rumor sobre uma ordem executiva que, se implementada, teria afetado profundamente o futuro da arquitetura federal. O Registro Arquitetônico obteve o que parecia ser uma minuta preliminar da ordem, sob a qual a Casa Branca exigiria a reescrita dos Princípios Orientadores da Arquitetura Federal, emitidos em 1962, para assegurar que "o estilo arquitetônico clássico será o estilo preferido e padrão" para edifícios federais novos e modernizados. Em resposta a este anúncio, o Instituto Americano de Arquitetos (AIA) se opôs fortemente a tal política e emitiu uma declaração contra a mesma (McGuigan, 2020).

13.   (Fuchs, 2018, p. 170). Além do darwinismo social, Fuchs também identifica três outros componentes cruciais, juntamente com a ideologia de estado. Como ele escreve: "Dado que Trump é o presidente dos EUA, sua visão geral do mundo é relevante para entender a ideologia do Estado (ideologia pelo Estado) durante seu governo. Olhar para suas visões ideológicas também pode revelar que papel ele atribui ao Estado na sociedade (ideologia sobre o Estado). A trumpologia é a ideologia do estilo Trump. Não é a ideologia de uma única pessoa, mas toda uma forma de pensamento e vida que consiste em elementos como o hiper-individualismo, o trabalho duro, a liderança, o esquema amigo/inimigo e o darwinismo social". (Ibid, p. 166).

14.  Daí o caráter irônico da liderança fascista, a teatralidade [phoniness], que Vladimir Safatle enfatiza e que de fato explica como a desinibição é possível. Ver Safatle, 2020.

15.  Digital Demagogue (2018), de Christian Fuchs, foca em Trump, enquanto seu Nationalism on the Internet (2019) foca nos casos europeus.

2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15

BIBLIOGRAFIA

Adorno, T. & Bernstein, J. M. (1991). Freudian Theory and the Pattern of Fascist Propaganda. In The Culture Industry. Routledge.

Aisch, G., Pearce, A., & Rousseau, B. (2016). How Far Is Europe Swinging to the Right? The New York Times. https://www.nytimes.com/interactive/2016/05/22/world/europe/europe-right-wing-austria-hungary.html

Albanese, M., & Del Hierro, P. (2016). Transnational fascism in the twentieth century: Spain, Italy and the global Neo-Fascist network. Bloomsbury Academic.

Appelbaum, Y. (2016). Trump’s Claim: I Alone Can Fix It. The Atlantic. https://www.theatlantic.com/politics/archive/2016/07/trump-rnc-speech-alone-fix-it/492557/ 

Bass-Krueger, M. (2019). Everything to Know about the History of the Baseball Cap. Vogue Australia. https://www.vogue.com.au/fashion/accessories/everything-to-know-about-the-history-of-the-baseball-cap/image-gallery/879d3161b0faa82c8e453fa7eb410b29 

Bernstein, J. M. (2021). Fight Club: Enlivenment, Love, and the Aesthetics of Violence in the Age of Trump. In LaRoca, D. (ed.) Metacinema: The Form and Content of Filmic Reference and Reflexivity. Oxford University Press.

Blumenberg, H. (1985). Work on Myth. MIT Press.

Bottici, C. (2016). The Mass Psychology of Trumpism: Old and New Myths. Public Seminar. https://publicseminar.org/2016/11/the-mass-psychology-of-trumpism/ 

---- (2019). Imaginal Politics: Images beyond imagination and the imaginary. Columbia University Press.

Bottici, C., & Challand, B. (2012). The Myth of The Clash of Civilizations. Routledge.

Butler, J. (2017). Reflections on Trump. Society for Cultural Anthropology. https://culanth.org/fieldsights/reflections-on-trump

----(2019). ‘What Threat? The Campaign Against “Gender Ideology"’ Glocalism: Journal of Culture, Politics And Innovation, 3.

Canetti, E. (1981). Crowds and Power. Continuum.

De Beauvoir, S., (2011). The Second Sex. Vintage Books.

Fanon, F. (2008). Black Skin, White Masks. Grove Press.

Finchelstein, F. (2019). From Fascism to Populism in History. University of California Press.

Freud, S., & Strachey, J. (1965). New Introductory Lectures on Psycho-Analysis. Norton.

---- (1989). Group psychology and analysis of the ego. Norton.

Fuchs, C. (2019) Nationalism on the Internet: Critical Theory and Ideology in the Age of Social Media and Fake News. Routledge.

---- (2018). Digital Demagogue: Authoritarian capitalism in the age of Trump and Twitter. Pluto Press.

Gentile, J., & Macrone, M. (2016). Feminine Law: Freud, free speech, and the voice of desire. Karnac.

Grand, S. (2018). The Other Within: White Shame, Native-American Genocide. Contemporary Psychoanalysis, 54 (1), 84–102.

Griffin, R. (2007). Modernism and Fascism: The sense of a beginning under Mussolini and Hitler. Palgrave Macmillan.

Hackett, C. & David McClendon, D. (2020). World’s Largest Religion by Population Is Still Christianity. Pew Research. https://www.pewresearch.org/fact-tank/2017/04/05/christians-remain-worlds-largest-religious-group-but-they-are-declining-in-europe/ 

Horkheimer, M., Adorno, T. W. (2002). Dialectic of Enlightenment: Philosophical fragments. Stanford University Press.

Horney, K. (1924). On the Genesis of the Castration Complex in Women. International Review of Psycho-Analysis, 5, 50–65.

Irigaray, L. (1985). This Sex Which is not One. Cornell University Press.

Kristeva, J. (1984). Revolution in Poetic Language. Columbia University Press.

Matt Mathers. (2020). Trump ‘Hemorrhaging’ Twitter Followers in Wake of Election Defeat. The Independent. https://www.independent.co.uk/news/world/americas/us-election-2020/trump-losing-twitter-followers-election-defeat-b1762502.html

McGuigan, C. (2020). Will the White House Order New Federal Architecture to Be Classical? Architectural Record.

Motsinger, C. (2017). We Know Why You Wear a Baseball Cap. Cincinnati Enquirer. https://www.cincinnati.com/story/sports/2017/04/02/we-know-why-you-wear-baseball-cap/99689202/ 

Paxton, R. O. (2004). The Anatomy of Fascism. Vintage Books.

Pereyra Doval, G., & Souroujon, G. (Eds.) (2021). Global resurgence of the right: Conceptual and regional perspectives. Routledge.

Peters, J. W., Plott, E., & Haberman, M. (2020). 260,000 Words, Full of Self-Praise, From Trump on the Virus. The New York Times. https://www.nytimes.com/interactive/2020/04/26/us/politics/trump-coronavirus-briefings-analyzed.html

Pressman, S. (2017). Making America Irate Again: Donald Trump and the Middle Class. Dollars and Sense.

Salmon, C. (2016). Trump, Fascism, and the Construction of ‘the People’: An Interview with Judith Butler. Verso Blog. https://www.versobooks.com/blogs/3025-trump-fascism-and-the-construction-of-the-people-an-interview-with-judith-butler

Sarah Ferris. (2016). Trump Compares US Airports to ‘Third-World Country. The Hill. https://thehill.com/policy/transportation/297935-trump-compares-us-airports-to-third-world-country

Schmidt, R. W. (2011). American Indian Identity and Blood Quantum in the 21st Century: A Critical Review. Journal of Anthropology. https://doi.org/10.1155/2011/549521

Seipel, B. (2019). Trump: “Make America Great Again” Slogan was Made up by Me. The Hill. https://thehill.com/homenews/administration/437070-trump-make-america-great-again-slogan-was-made-up- by-me;

Shear, M. D., Haberman, M., Confessore, N., and al. (2019). How Trump Reshaped the Presidency in Over 11,000 Tweets. The New York Times. https://www.nytimes.com/interactive/2019/11/02/us/politics/trump-twitter-presidency.html

Soffen, K. (2019). Yes, Donald Trump’s Hands Are Actually Pretty Small. The Washington Post. https://www.washingtonpost.com/news/morning-mix/wp/2016/08/05/yes-donald-trumps-hands-are-actually-pretty-small/ 

Tracey, Sean. (2017). Trust, Trump, and the Turnout: A Marketers Point of View. American Behavioral Scientist, 61(5), 526–532.

Safatle, V., Noppen, P.-F., Raulet, G. (2020). The Fascist Laugh: Propaganda and cynical rationality in Adorno. In Théorie Critique de la Propagande (pp. 123–134). Éditions de la Maison des sciences de l’homme.

Whitebook, J. (2017). Freud: An intellectual biography. Cambridge University Press.

Zaretsky, E. (2018). The Mass Psychology of Trumpism. London Review of Books. https://www.lrb.co.uk/blog/2018/september/the-mass-psychology-of-trumpism

bottom of page