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“UMA UNIÃO DE KING KONG E BARBEIRO SUBURBANO”:
A “TEORIA FREUDIANA E O PADRÃO DA PROPAGANDA FASCISTA” DE ADORNO
[1]

Samir Gandesha
Tradução Daniel Pavan

t.1

Restam poucas dúvidas de que, após um longo período de dormência, elementos autoritários e, por vezes, abertamente fascistas retornaram à vida pública com sede de vingança; não apenas em toda a Europa, no Reino Unido e nos Estados Unidos, mas no mundo inteiro, especialmente na Turquia, na Índia e no Brasil. A imagem mais chocante deste retorno são os centros de detenção de migrantes espalhados pelo sul da Europa e, de forma mais flagrante, aqueles da América Central, onde crianças são negligenciadas, aterrorizadas e supostamente sujeitas a abusos psicológicos e sexuais, encarceradas em centros de concentração na fronteira dos Estados Unidos com o México.[2] No entanto, o fascismo contemporâneo, na sua maioria, não assume a forma de movimentos de massa voltados à derrubada violenta da democracia, à instauração de um estado monopartidário e à prisão e liquidação de seus “inimigos”. Em vez disso, ele implica a erosão gradual, porém constante, das instituições da ordem liberal-democrática, tais como o estado de direito, a divisão dos poderes e, especialmente, a independência do setor judiciário, a liberdade de imprensa e o direito à dissidência. Tomados em conjunto, os elementos de tal erosão constituem o que tem sido chamado, tanto por seus defensores quanto por seus críticos, de “democracia iliberal”.[3] Contra o pano de fundo de crises sociais e econômicas, tal democracia iliberal é justificada por supostos líderes fortes que pretendem encarnar a vontade de uma “comunidade” étnico-nacional supostamente sitiada por “enxurradas” de migrantes vindos debaixo e por uma lógica financeira nefasta e abstrata vinda de cima. Eventualmente, como no caso de figuras como George Soros, ambas as forças soam, em um tom paranoico, como se estivessem atreladas em uma cumplicidade secreta.[4]


O atual retorno de elementos fascistas à política no contexto do capitalismo neoliberal, uma ordem social em que o Estado foi completamente entregue ao mercado, na qual a figura do homo politicus foi eclipsada pelo homo economicus, requer explicações.[5] Conforme Michel Foucault mostrou em seus cursos sobre biopolítica no final da década de 1970, uma das correntes dominantes do pensamento econômico na recém-formada Bundesrepublik (República Federativa da Alemanha) era a doutrina econômica ordoliberal da Escola de Freiburg. Essa doutrina defendia que a forma mais efetiva de se evitar o retorno do Estado autoritário seria garantir o pleno domínio da racionalidade do mercado, assim permitindo – em uma espécie de Keynesianismo reverso – que ele limitasse e regulasse o Estado.[6] Então, como se explica o fato de que, em vez de conter o autoritarismo, o neoliberalismo criou um solo fértil para que ele dispusesse de suas raízes e florescesse?


Por meio de uma leitura do ensaio “Teoria Freudiana e o Padrão da Propaganda Fascista” (daqui em diante “Teoria Freudiana”) de Theodor W. Adorno, encontramos uma forma de explicar a relação entre autoritarismo e neoliberalismo. Apesar da existência de uma verdadeira “indústria acadêmica artesanal” de estudos sobre Trump e autoritarismo político,[7] tais pesquisas foram amplamente incapazes, na minha opinião, de conectar suas análises com o problema maior da “vida mutilada” específica da sociedade neoliberal.[8] A razão disso se deve ao fato de elas focarem excessivamente na própria figura de Trump e seus similares, negligenciando as condições socioeconômicas que tornam tais figuras tão atrativas para uma proporção significativa do eleitorado. É justamente por tal motivo que a síntese, proposta por Adorno, entre perspectivas socioeconômicas e psicossociológicas é tão pertinente e atual.


Em “Teoria Freudiana”, Adorno discute, principalmente, dois textos. O primeiro é o livro Prophets of Deceit: A Study of the Techniques of the American Agitator[9] de Löwenthal e Guterman; o segundo é o artigo Psicologia das Massas e Análise do Eu[10] de Sigmund Freud, publicado um ano antes da Marcha sobre Roma do Partito Nazionale Fascista de Mussolini e de sua tomada do poder em 1922. O primeiro representa uma análise de conteúdo dos discursos de “agitadores”, ou demagogos de extrema direita, como Father Coughlin e Gerald Smith, situados por Löwenthal e Guterman em relação a uma tipologia de respostas a problemas socioeconômicos. O segundo procura demonstrar como a orientação individual ao princípio da realidade pode ser posta em xeque pelo sentimento de poder e segurança que o pertencimento a uma massa oferece.


Por que, Adorno questiona junto a Freud, “os seres humanos modernos retornam a padrões  de comportamento que contradizem flagrantemente seu próprio nível racional e o presente estágio da civilização tecnológica esclarecida” (Adorno 2015, 159)? Para que se propicie uma tal reversão, ou regressão, um laço social artificial deve ser criado, baseando-se no princípio de prazer, isto é, nas “gratificações reais ou vicárias obtidas pelos indivíduos ao se renderem a uma massa” (Adorno 2015, 160). Freud ajuda a explicar aquilo que a maioria das outras formas de psicologia social apenas descreve: o potencial de “curto-circuito” na relação entre “emoções violentas” e “ações violentas”. A natureza particular do laço social, na visão de Freud, permite ao indivíduo “anular os recalques de suas moções pulsionais inconscientes” (FREUD apud ADORNO 2015, 161). Na medida em que Freud aponta para a interpretação dos elementos arcaicos e modernos, míticos e esclarecidos, da psicologia social, ele antecipa o argumento da Dialética do Esclarecimento. O mito arcaico e o esclarecimento moderno convergem na ideia de sacrifício. A diferença principal é que o processo de esclarecimento através do desencantamento e da racionalização implica a crescente “introjeção” ou internalização do sacrifício enquanto “autorrenúncia” ou repressão.[11] Isso significa que, para sobreviver, o indivíduo deve se ajustar aos imperativos externos e, portanto, renunciar às suas aspirações de felicidade e realização sensual.


Portanto, é o processo civilizatório, ou a “segunda natureza”, que produz a revolta da “primeira natureza”. Nas últimas décadas, a interpretação supostamente “negativa” de Freud acerca da repressão foi questionada por figuras como Jacques Lacan, Gilles Deleuze e Felix Guattari.[12] Ninguém criticou esta interpretação com mais virulência do que Foucault no primeiro e introdutório volume de A história da sexualidade. Neste livro, Foucault repreende a “hipótese repressiva” de Freud por ser uma interpretação puramente negativa do poder, afirmando que as forças sociais e históricas se restringem à expressão do “instinto” ou da “natureza” a partir de uma posição exterior; assim implicando que, para a resistência, “seria necessário nada menos do que uma transgressão das leis, uma suspenção das interdições, uma irrupção da palavra, uma restituição do prazer ao real, e toda uma nova economia dos mecanismos do poder” (Foucault, 1988). Adorno, em oposição, mostra como a interpretação de Freud da repressão é muito mais sutil e implica a interpenetração e o condicionamento mútuo da natureza e da história na própria operação das agências psíquicas. Conforme Adorno sugere em sua discussão do Mal-estar na civilização, “como uma rebelião contra a civilização, o fascismo não é simplesmente a recorrência do arcaico, mas sua reprodução na e pela própria civilização(Adorno 2015, 162).


Retomando a questão da natureza do vínculo social, parece duvidoso, no entanto, que uma interpretação de um tal laço baseada na libido poderia oferecer uma explicação convincente do nazismo, uma vez que Hitler substitui o pai afetuoso por um ameaçador e punitivo. Ainda que exista, aqui, uma relação com o conceito freudiano do pai primevo em Totem e Tabu, é necessário explicar a natureza e o conteúdo da propaganda fascista, que procura deliberadamente reativar a “herança arcaica” dos indivíduos; isto é, ela é fabricada e constantemente reforçada. Se, sob as condições modernas, nas quais o princípio da vida pública é o individualismo, como os indivíduos podem ser induzidos a renunciar à sua própria individualidade e, com isto, de seus próprios interesses racionais incluindo, em casos extremos, seu interesse na própria autoconservação? Esta questão torna-se especialmente pertinente sob as condições hiper individualistas da ordem neoliberal. A pergunta é: como as pessoas constituem uma massa?[13] A resposta que Adorno oferece, via Freud, é que isso acontece pelo mecanismo da identificação.


Tomando inspiração na obra de Erik H. Erikson, Adorno sugere que o agitador se assemelharia a uma “ampliação” da personalidade do próprio sujeito, e não à imago paterna, cuja autoridade já havia começado a ruir no período entreguerras.[14] Assim, líderes fascistas contemporâneos não são simplesmente as manifestações de uma imago paterna ambivalente nem do líder dominador da “horda primitiva” que, pela ameaça de violência, estabelece um monopólio sobre as mulheres, mas, em vez disso, representam o que Adorno chama de “pequeno grande homem”.[15]


O processo de identificação é inseparável daquele da idealização. Em Prophets of Deceit, os autores enfatizam a maneira com que o agitador explora os afetos negativos de seus seguidores. Löwenthal e Guterman argumentam que


diferentemente do defensor usual da mudança social, o agitador, ao explorar um estado de descontentamento, não tenta definir sua natureza por meio de conceitos racionais. Em vez disso, ele intensifica a desorientação de sua audiência destruindo todas as referências racionais e propondo a adoção de modos aparentemente espontâneos de comportamento. (Löwenthal e Guterman 1949, tradução nossa).


Adorno explica de forma mais específica como estas frustrações e ansiedades emergem em primeiro lugar, e como a propaganda fascista as explora, instigando a identificação por idealização.


No cerne do argumento de Adorno está a sugestão de que a frustração diz respeito ao “conflito moderno característico entre uma instância do eu racional, fortemente desenvolvida e autoconservadora, e o contínuo fracasso em satisfazer as demandas de seu próprio eu” (Adorno 2015, 169). Em outras palavras, os conflitos se originam na contradição que se encontra no núcleo da sociedade burguesa ou liberal-democrática entre o ideal político de autonomia individual ou autodeterminação por meio de instituições democráticas, de um lado, e uma concepção puramente negativa de liberdade que caracteriza as relações capitalistas de produção, de outro. Conforme Adorno profeticamente sugere em sua Dialética Negativa:


quanto mais liberdade o sujeito e a comunidade dos sujeitos se atribuem, tanto maior é a responsabilidade do sujeito; e diante dessa responsabilidade ele decai em uma vida burguesa cuja prática nunca concede ao sujeito a autonomia integral que ela lhe imputa teoricamente. É por isso que ele precisa se sentir culpado (Adorno 2009, 186-187).


Como resultado desta contradição entre a ideia e a atualidade da liberdade, a promessa e a incapacidade de realizar uma vida autodeterminada, o indivíduo experimenta frustrações e descontentamentos diante de seu próprio ideal do eu, ou sentimento idealizado de si, que frequentemente deriva da imago de um progenitor. Tal conflito constitui um aspecto chave da “vida mutilada” das sociedades do capitalismo tardio, cuja anatomia Adorno revela em Minima Moralia.[16] “Esse conflito”, argumenta Adorno, “resulta em impulsos narcísicos fortes, que podem ser absorvidos e satisfeitos apenas através de idealização, como a transferência parcial da libido narcísica ao objeto” (Adorno 2015, 169). A glorificação coletiva e o amor do líder são a forma com que sujeitos modernos frustrados superam suas autoimagens negativas, que resultam do fracasso em aproximar seu eu ideal – a separação entre eu e ideal do eu torna-se, em outras palavras, insuportável. A aura sedutora de onipotência do líder se deve, portanto, menos à “herança arcaica” do pai primevo e mais ao investimento narcísico individual na coletividade que resulta deste fracasso.


Para que uma identificação coletiva por meio da idealização, nestes moldes, seja bem-sucedida, o líder precisa ser “absolutamente narcisista”, isto é, ser alguém que é amado mas não ama de volta. Isso explica o desinteresse do agitador – em oposição a ambos o revolucionário e o reformista – em apresentar um programa político positivo, traçando propostas políticas concretas, conforme apontam Löwhental e Gueterman. No lugar da proposta de um tal programa, o que sugeriria alguma preocupação mínima com as necessidades dos seguidores, existe apenas o “programa paradoxal da ameaça e da negação” (Adorno 2015).


Ao mesmo tempo, o líder encarna a contradição entre, por um lado, parecer ser uma figura super-humana e, por outro, uma pessoa comum – conforme Adorno brilhantemente afirma, tendo Adolf Hitler em mente, “uma união de King Kong e barbeiro suburbano” (Adorno 2015, 171). Isso é um elemento-chave para compreender a estrutura psicológica sedutora do fascismo: essas duas dimensões refletem uma cisão no próprio eu narcísico dos seguidores – uma parte se apega ao “King Kong” enquanto a outra ao “barbeiro suburbano” – e são por ele retidas. Desta maneira, o líder representa os seguidores enquanto seu alargamento. A propaganda fascista é construída em torno do conceito básico do “‘pequeno grande homem’, uma pessoa que sugere tanto onipotência quanto a ideia de que é apenas mais um do povo, um norte-americano pleno e viril” (Adorno 2015).


É desta forma que Adorno oferece uma interpretação do conceito guia de Estudos sobre a personalidade autoritária: aquele tipo de personalidade caracterizado pela subordinação ao “forte” (barbeiro suburbano) e pela dominação do “fraco” (King Kong). Nisso, a estrutura do caráter social reproduz a contradição subjacente no núcleo da sociedade burguesa entre a teoria da autonomia ou liberdade e a prática da heteronomia ou não liberdade. Portanto, imagem do “pequeno grande homem”, de acordo com Adorno,


satisfaz o duplo desejo do seguidor em se submeter à autoridade e ser ele mesmo a autoridade. Isso convém a um mundo em que o controle irracional é exercido ainda que tenha perdido sua evidência interna devido ao esclarecimento universal. As pessoas que obedecem aos ditadores também percebem que estes são supérfluos. Elas reconciliam essa contradição ao assumirem que elas mesmas são o opressor brutal. (Adorno 2015, 172)


Isso é perfeitamente expresso pelo slogan de Hitler, que expõe a essência da ambivalência do tipo de personalidade (personality type) autoritário ou sadomasoquista: “Verantwortung nach oben, Autorität nach unten” (“responsabilidade com os de cima, autoridade com os de baixo” (Adorno 2015)). Ou, conforme Adorno escreve no Capítulo 19 de Estudos sobre a personalidade autoritária, “a identificação do caráter ‘autoritário’ com a força é concomitante à rejeição de tudo que está ‘abaixo’” (Adorno 2019, 549).


Quanto mais supérflua é a ideia de um ditador em sociedades formalmente democráticas e igualitárias – ainda que substantivamente desiguais –, baseadas na propriedade privada e no controle dos meios de produção, maior será a ênfase dada precisamente à qualidade substitutiva [ersatz] do ditador. Tal falsidade é sustentada pela forma de concha oca da “massa artificial” da instituição religiosa. A hierarquia religiosa, despida de sua essência espiritual, é tomada pelo fascismo – especialmente a sua ênfase na distinção entre “ovelhas e cabras”, insiders e outsiders, e, portanto, sua mobilização de libido negativa. Em outras palavras, a ênfase dada ao amor pela religião cristã, que também era, todavia, baseada no ódio com relação àqueles que continuavam para além da fé, agora é despojada até mesmo da aparência de ágape ou fraternidade, transformando-se quase exclusivamente em uma função integradora negativa.[17] Isso permite que o fascismo utilize seu “truque da unidade”, ou seja, omita as diferenças internas ao grupo (exceto a hierarquia vigente) ao enfatizar as diferenças entre o grupo e aqueles que continuam fora dele. Tal truque culmina no que Adorno denomina “igualitarismo repressivo” – os prazeres individuais devem ser igualmente negados a todos os membros da “comunidade nacional”. O laço social é, por assim dizer, solidificado por uma introjeção compartilhada do sacrifício ou pela renúncia à aspiração por uma vida sensualmente plena. As repetitivas e hiperbólicas demandas nazistas de sacrifício em nome da “pátria” [“Fatherland”], um eco de todas as formas de nacionalismo, especialmente quando se trata da guerra, confirmam isso.[18]


Adorno aborda uma importante técnica da qual a propaganda fascista se vale para enfatizar a diferença entre os grupos de insiders e outsiders: o uso repetitivo de imagens de animais inferiores como insetos e vermes para caracterizar os estrangeiros, em particular os judeus e os refugiados. Partindo das observações não apenas de Freud, mas também de Otto Rank, de que, na simbologia onírica, os insetos e os vermes representam os irmãos mais jovens – bebês, na verdade – tal simbolismo dificilmente esconde a catexia negativa. Contudo, ao mesmo tempo, tais irmãos e irmãs identificaram-se uns com os outros através de um objeto de amor compartilhado, o líder, e devem, portanto, direcionar ou projetar essa catexia negativa para fora, para além do grupo.


Aqui, poder-se-ia argumentar, como sugerem Adorno e Horkheimer na Dialética do Esclarecimento, que não é apenas o deslocamento do desprezo experimentado pelos próprios seguidores que é projetado na imagem dos animais inferiores, mas também uma evocação direta, pela propaganda, de clichês afetivamente carregados da mais poderosa abjeção. Conforme sugere Julia Kristeva, isso está ultimamente relacionado à relação pré-edípica com o corpo materno e, por sua vez, à transgressão de uma fronteira e a subsequente produção de desgosto.[19]


Mas a natureza que não se purificou nos canais da ordem conceitual para se tornar algo dotado de finalidade; o som estridente do lápis riscando a lousa e penetrando até a medula dos ossos; o haut goût que lembra a sujeira e a putrefação; o suor que poreja a testa da pessoa atarefada; tudo o que não se ajustou inteiramente ou que fira os interditos em que se sedimentou o progresso secular tem um efeito irritante e provoca uma repugnância compulsiva (Adorno e Horkheimer 1985, 148-149).


A repugnância abjeta e “compulsiva” que ela evoca diz respeito ao medo da autodissolução. Isso constitui o impulso a eliminar o não-idêntico ou aquilo que não pode ser conceitualmente compreendido sem deixar excedentes; na tentativa de submeter a natureza à influência do controle e domínio técnico, qualquer resíduo descontrolado ou incontrolável (não-idêntico) da natureza suscita uma resposta automática de repugnância.[20] Os próprios signos de destrutividade que o fascismo incorpora substantivamente são projetados para fora sobre suas vítimas; o fascismo, neste sentido, é a performance paranoica do agressor que assume compulsivamente o papel da vítima.


A repugnância é empregada como técnica propagandística, em outras palavras, para representar o outro como um agente perigoso de contágio que ameaça a saúde e a própria vida do corpo político, devendo ser excluída tanto espiritualmente como fisicamente, à força, caso necessário. Traços da “natureza” ofensiva, mas secretamente desejada, são projetados no estranho que se torna seu estigma. Uma vez assim projetado, o “outro” pode ser contido, excluído ou, em casos extremos, ultimamente “liquidado” ou “exterminado” como pestes ou vermes. Através do processo de extirpação do não-idêntico, a identidade da “comunidade” étnico-nacional é confirmada e estabilizada.


Adorno trata da questão de como os agitadores obtiveram um conhecimento tão preciso da psicologia das massas sem possuírem os meios e recursos para seu acesso. Sua resposta é que, dada a identidade psicológica entre o líder e os seguidores, o agitador pode atingir a psicologia das massas através de sua própria psicologia. A diferença principal entre ambos é que o primeiro possui “uma capacidade de exprimir, sem inibições, o que é latente neles, e não por qualquer superioridade intrínseca” (Adorno 2014, 181). O líder autoritário é uma personalidade de tipo “oral” que, de acordo com Freud, procura gratificações comendo, bebendo e realizando outras atividades orais como falar. O tipo oral agressivo é hostil e verbalmente abusivo em relação aos outros. O agitador demonstra possuir “uma compulsão para falar incessantemente e enganar os outros” (Adorno 2015, 181). A natureza incessante de um tal discurso o esvazia de sentido e o torna mágico; ele enfeitiça seus ouvintes e opera com a “herança arcaica” dos seguidores. O poder que o agitador exerce é, paradoxalmente, indicativo de sua impotência uma vez que, ao expor seus impulsos inconscientes, insinua uma fraqueza do ego, em vez de força. Contudo, ao mesmo tempo, isso fortalece a própria imagem do líder enquanto um alargamento do ego dos seguidores. “A fim de conseguir corresponder às disposições inconscientes de sua audiência”, argumenta Adorno, “o agitador, por assim dizer, simplesmente volta seu inconsciente para fora” (Adorno 2015).


A adequação das técnicas do agitador à “base psicológica de seu objetivo” é reforçada por transformações de maior envergadura na sociedade que também contribuem para uma passividade maior do indivíduo, ou seja, o declínio de sua capacidade de experiência devido à consolidação da indústria cultural como um todo.[21] A padronização que está no núcleo da indústria cultural se harmoniza perfeitamente com um atributo chave das personalidades autoritárias: a “estereopatia” e “seu desejo infantil por repetição interminável e inalterada” (Adorno 2015, 182). A associação entre a alta cultura europeia e a indústria cultural, para Adorno, pode ser localizada em seu leitmotiv facilmente reconhecível, cuja origem está no compositor protofascista Richard Wagner, que Adorno associa a “partes componentes de produtos de origem fabril: Fordismo musical” (Leppert 2002). Para mobilizar as massas contra seus próprios interesses, a propaganda fascista tende a driblar o “pensamento discursivo” e “mobilizar forças regressivas irracionais, inconscientes” (cit Adorno). Nisso, ela é intensamente auxiliada pela indústria cultural, que também diminuiu significativamente a capacidade humana de autonomia e espontaneidade.


Quais são as contribuições da perspectiva psicossociológica de Adorno acerca da propaganda fascista para o debate atual? Existem, de maneira geral, três áreas em que as reflexões de Adorno são esclarecedoras: (1) populismo; (2) a análise dos “agitadores” contemporâneos; e, finalmente, (3) a indústria cultural. Antes de tratar delas, no entanto, é importante também considerar as limitações de tais reflexões. Conforme argumentei em outro momento, as premissas sociológicas da apropriação que Adorno faz de Freud, e especificamente o conceito de Pollock de “capitalismo de estado” – segundo o qual o papel do Estado é administrar as tendências do capitalismo a entrar e crise – devem ser repensadas em um período caracterizado pela obsolescência do Keynesianismo.[22] Além disso, a confiança não mediada de Adorno na teoria freudiana ortodoxa dos instintos/impulsos e do complexo de Édipo deve ser repensada e reconstruída uma vez que a ontologia atomística e Hobbesiana de Freud não se encaixa particularmente bem com a ontologia social inspirada em Hegel e Marx.[23] O que continua sendo importante, contudo, é a discussão de Adorno acerca da contradição de base no núcleo da democracia capitalista, e a maneira com que o autoritarismo hoje reemerge como uma resposta poderosa, ainda que falsa, a ela diante da escassez de alternativas viáveis que constitui o que Marcuse chamou de sociedade unidimensional (Marcuse 1991).


A condição objetiva para a persistência obstinada do autoritarismo é a contradição que habita o núcleo da sociedade liberal democrática entre o princípio democrático do igualitarismo, de um lado, e a concepção liberal de liberdade negativa, do outro. A forma neoliberal e financeirizada do capitalismo, que se encontra instaurada desde meados dos anos 1970, acentuou dramaticamente essa contradição uma vez que o citoyen (o homo politicus de Brown) foi eclipsado pelo homo economicus, agora entendido como “empreendedor de si mesmo” (Foucault 2008, 226). Este último é  forçado a assumir maiores responsabilidades por si mesmo apesar de, ao mesmo tempo, ter menor acesso aos recursos através dos quais poderia atualizar essa responsabilidade de uma maneira significativa. Em média, as taxas de crescimento dos países ricos caíram de forma acentuada desde os anos 1960 (4,3% por ano), alcançando 2,8% nos anos 1970, 2.3% na década de 1980, 1,8% nos anos 1990 e 1,2% na década de 2000 (Neel 2018, 14). Em conformidade a isso, desde os anos 1970, os salários da grande maioria das pessoas permaneceram estagnados, nem sequer acompanhando a inflação.[24] Enquanto isso, as provisões do estado de bem-estar foram consideravelmente reduzidas e os serviços sociais, assim como o ensino superior, encareceram. O que preencheu este vácuo foi a financeirização progressiva e o endividamento.[25] Os indivíduos são constantemente incapazes de adequar-se a seus ideais do eu, o que leva a uma proliferação correspondente de culpa, ansiedade, frustração e, em última instância, raiva.[26]


Ironicamente, em vez de prevenir tendências autoritárias, conforme acreditava o ordoliberalismo da Alemanha ocidental, o advento do neoliberalismo se mostrou um solo particularmente fértil para a germinação de movimentos políticos neo e pós fascistas.[27] Ecoando as análises de Moishe Postone (2010) do antissemitismo implícito no núcleo das críticas unidirecionais ao capital financeiro (trabalho abstrato) do ponto de vista da classe trabalhadora (trabalho concreto), Neel argumenta que:


como somos uma das gerações mais pobres da história recente, dívidas e aluguéis são as características definidoras de nossas vidas. Este fato torna a atual encarnação da extrema direita uma ameaça real, pois ele aumenta a probabilidade de que alguma das políticas patrióticas contemporâneas encontre uma base de massa, conforme um programa especificamente formulado para opor-se à exploração dos aluguéis de uma população relutante no interior do país traduz-se em uma oposição mais geral às rendas enquanto forma principal de exploração no capitalismo contemporâneo (Neel 2018, 44, tradução nossa)


A contradição entre autonomia no domínio “político”, ou as estruturas formais da democracia representativa, e a crescente heteronomia no domínio “econômico” torna-se cada vez mais insuportável. Conforme Adorno afirma em “O que significa elaborar o passado”, o fascismo


não pode ser produzido meramente a partir de disposições subjetivas. A ordem econômica e, seguindo seu modelo, em grande parte também a organização econômica, continuam obrigando a maioria das pessoas a depender de situações dadas em relação às quais são impotentes, bem como a se manter numa situação de não-emancipação. (Adorno 2020)


Na sequência, ele argumenta que


se as pessoas querem viver, nada lhes resta senão se adaptar à situação existente, se conformar; precisam abrir mão daquela subjetividade autônoma a que remete a ideia de democracia; conseguem sobreviver apenas na medida em que abdicam de seu próprio eu. (…) A necessidade de uma tal adaptação, da identificação com o existente, com o dado, com o poder enquanto tal, gera o potencial totalitário. (Adorno 2020)


A idealização e a identificação com o agressor podem ser vistas como uma (falsa) solução para essa contradição. Através do dispositivo do “pequeno grande homem”, o seguidor fica hipnotizado por uma imagem ampliada de si mesmo, diante da qual ele se curva. O populismo emerge como uma resposta à crise de legitimidade que acompanha a ordem neoliberal.[28] Em vez de rejeitar ou difamar essa formação política tout court,[29] é mais produtivo distinguir entre versões de direita e de esquerda do populismo. Adorno nos ajuda a encontrar um critério que nos permite fazer exatamente isso, ao enfatizar que o processo através do qual as “pessoas tornam-se uma massa” tem uma importância vital – na medida em que a discussão anterior, como vimos, está voltada à compreensão do papel do agitador em oposição ao reformista ou o revolucionário que, tal qual os populistas de esquerda contemporâneos, como Jeremy Corbyn e Bernie Sanders, procuram genuinamente elaborar objetivos políticos concretos e, durante o processo, atender às demandas democráticas de seus seguidores, ao mirar especificamente na desigualdade socioeconômica. Os agitadores, em vez disso, evitam tais interesses através de apelos emocionais a concepções racistas e excludentes de “povo” e, assim, o transforma em uma massa.[30]


A forma com que Adorno elabora a identificação por idealização é especialmente útil para que se possa compreender uma série de líderes populistas de direita que parecem incorporar a ideia paradoxal do “pequeno grande homem”, tais como o presidente filipino Rodrigo Duterte, o primeiro ministro indiano Narendra Modi, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e o primeiro ministro britânico Boris Johnson. No entanto, ninguém incorpora tal paradoxo de forma mais clara do que o atual presidente dos Estados Unidos. Donald J. Trump exemplifica o “pequeno grande homem” e, consequentemente, é visto por seus apoiadores como uma versão ampliada de si mesmos. Mas, seria possível dizer que seus seguidores internalizaram a lógica do autossacrifício ou da renúncia? Eles não estariam defendendo agressivamente as “elites” que lhes sacrificaram no altar da globalização? Trump pode não demandar, de forma explícita, o autossacrifício. Mas a maioria de seus seguidores, embora possivelmente não todos, acabam sacrificando seus próprios interesses ao defendê-lo – por exemplo, pondo em risco a viabilidade do Affordable Care Act – no altar do “Make America Great Again”. A redução massiva de impostos para os ultra ricos certamente lhes afetará materialmente. Poderíamos incluir a crise dos opioides, que continua se aprofundando no interior da camada social composta por brancos pobres e, consequentemente, reduzindo rapidamente a sua expectativa de vida.[31] Os apoiadores de Trump poderiam ser chamados de “autossacrificados” em uma maneira bastante literal. Contudo, quando o establishment político ataca Trump por sua tênue compreensão da língua inglesa, seus faux pas feitos sob medida, seu paladar tolo, seu cabelo falso etc., o tiro sai pela culatra e eles acabam apenas reforçando a ideia de que desprezam não apenas o presidente, mas o demos, o povo que o idealiza e se identifica com ele; isso reforça a sua identificação com o agressor. Então, apesar de  serem apresentadas evidências de que o governo Trump lhes feriu materialmente, seu apoio continua mais ou menos inabalado.[32] Ao mesmo tempo, o amor dos apoiadores de Trump pelo presidente só pode ser igualado ao ódio e à violência ocasional dirigidos contra o “outro”: “Verantwortung nach oben, Autorität nach unten”!


Trump é claramente uma pessoa agressiva de caráter oral que twita incessantemente, ameaçando com frequência seus próprios rivais políticos, como Hillary Clinton (“Lock her Up”[33]) ou, talvez de forma ainda mais perturbadora, encorajando seus seguidores, como em um protesto recente, a gritar “Send her Back” [“mandem ela de volta”] à representante somali-americana de Minnesota, Ilhan Omar, assim como a Alexandria Ocasio-Cortez, Rashida Tlaib e Ayanna Pressley, todas nascidas nos Estados Unidos.[34] Esta natureza incessantemente contraditória do discurso de Trump expõe a linguagem como meio genuíno das afirmações de verdade – essa violência promovida na própria linguagem é fundamental para compreender nossa era progressivamente pós-verdadeira, talvez ainda mais do que o avanço de portais midiáticos de extrema direita, como o Breitbart News. Além disso, o slogan “Make América Great Again” recorre à retórica de uma vida americana autêntica, falsamente concreta, liberada dos processos globais assustadoramente abstratos, impenetráveis, representados pela figura antissemita mal disfarçada do “pântano”.


A fetichização do muro na fronteira dos Estados Unidos com o México representa uma expressão extrema do populismo autoritário global, manifestando uma histeria intensificada e direcionada àqueles forçados a migrar por catástrofes geopolíticas e politico-econômicas. A despeito de suas afirmações de que as mudanças climáticas são uma farsa ou uma conspiração, Trump parece estar se preparando para uma piora na crise de refugiados climáticos. As pessoas então são transformadas em uma massa por meio de um objeto comum de afeto que é indissociável da libido negativa gerada pela forma de projeção da estranheza, isto é, da doença, do contágio e, em última instância, do perigo (o abjeto) no outsider. Tal libido negativa é reforçada por referências aos “países de merda [shithole countries]” e por afirmações de que “todos os haitianos têm Aids”.[35] Inclusive, além de demonizar os refugiados como “invasores”, de dizer para quatro membros não-brancos do Congresso que voltem para o “lugar quebrado e infestado por criminosos de onde vieram”, Trump referiu-se a Baltimore, a terra natal do falecido republicano Elijah Cummings, como uma “bagunça nojenta e infestada de roedores” que era “muito pior e mais perigosa” do que as condições na fronteira com o México.[36][37] O autor francês Jean Raspail, que foi profundamente influenciado pelo ex-conselheiro de Trump, Steve Bannon, retratou a Europa do futuro próximo como tomada pelos despossuídos do Terceiro Mundo, simbolizado por migrantes indianos fornicando e defecando, em seu romance racista e distópico Le Camp des Saints [O campo dos santos] (Raspail 1994). Podemos notar, na retórica de Trump, não apenas misoginia aberta (“Grab‘em by the pussy”), mas também o ódio à ambiguidade, que pode explicar a ferocidade dos ataques às comunidades LGBTQ+, em particular às pessoas transgênero.


Talvez ainda mais profeticamente, Adorno (com Horkheimer) chama atenção para a afinidade eletiva entre a personalidade autoritária e a indústria cultural. A condição de possibilidade para que as pessoas sejam transformadas em uma massa é a passividade que acompanha o enfraquecimento gradual, porém constante, da função crítica do eu. Em sua compreensão da indústria cultural, Adorno e Horkheimer mostram a forma com que ela substitui o que Kant chamava de “esquematismo transcendental”, de acordo com o qual o múltiplo sensível se relaciona com os conceitos pela atividade da imaginação,


através dos modelos conceituais e termos técnicos que constituem a estrita ração imposta pela desintegração da linguagem. O percebedor não se encontra mais presente no processo da percepção. Ele não mobiliza mais a passividade ativa do conhecimento, na qual os elementos categoriais se deixam modelar da maneira adequada pelo “dado” convencionalmente pré-formado, e este por aqueles, de tal modo que se faça justiça ao objeto percebido. (Adorno e Horkheimer 1985).


Hoje, podemos verificar essa tendência na digitalização da indústria cultural que ocorreu nas últimas décadas. O algoritmo veio para substituir o esquema transcendental na organização do múltiplo da intuição sensível. No lugar da produção fordista em massa e da padronização, ele agora produz diferença e heterogeneidade sob medida, especificamente para os gostos e caprichos de cada indivíduo. O algoritmo, no entanto, é um código que também fixa uma lógica de repetição e estereotipia, frequentemente confirmando, aprofundando e reforçando os preconceitos subjetivos mencionados acima através da criação das ditas “câmaras de eco” ou manifestações inconscientes do viés confirmatório.


Assim como os fascistas do século XX usavam o rádio e o cinema para disseminar sua propaganda, os agitadores contemporâneos evidenciam uma predileção pelo uso do Twitter, Facebook, Instagram e WhatsApp que, dentre outras coisas, lhes permite sobrepor efetivamente o escrutínio supostamente racional e crítico dos jornalistas sérios, dos intelectuais e acadêmicos, e comunicar vontades e desejos frequentemente inconscientes diretamente aos seguidores. Se, antes, as  redes sociais tinham sido tomadas por forças progressistas para fins de organização e mobilização contra regimes autoritários – por exemplo, no Irã, em 2009, e logo em seguida na Primavera Árabe e no movimento Occupy –, elas hoje se tornaram os meios pelos quais a extrema direita tem manipulado, de forma bem-sucedida, os eleitores – como mostrou o escândalo da Cambridge Analytica, em que a empresa britânica de consultoria engajou a mineração de dados para obter informações pessoais, acessando milhões de perfis no Facebook contra a vontade das pessoas, e com objetivos de publicidade política.[38] A publicação pela Wikileaks de e-mails hackeados na etapa final das eleições de 2016, conforme mostrou o Relatório Mueller, não foi indiferente com relação a seus resultados.[39] As redes sociais, além disso, ofereceram a infraestrutura para partidos populistas e movimentos de direita disseminarem fake news e desinformação. Poderíamos dizer que elas criam novos tipos do que Freud chamava de “grupos artificiais”, que enfraquecem a capacidade de teste de realidade e, portanto, a capacidade crítica do eu.[40] Elas são tanto o meio como a expressão de um “direcionamento para fora” do inconsciente.[41]


Ademais, fóruns online, como o 4chan e o 8chan, possibilitam precisamente o “curto- circuito” da relação entre “emoções violentas” e “ações violentas”. Tomando inspiração em Anders Breivik e Brenton Tarrant, assassinos em massa de extrema direita por detrás dos massacres de Christchurch, supremacistas brancos na Europa e na América do norte, particularmente dos Estados Unidos, discutiram e planejaram seus ataques nestes fóruns antes de executá-los no mundo real. Neles, os participantes discutem tópicos como a “escolha de alvos” e formas mais efetivas de maximizar o número de mortos. No final, o grupo online compara e celebra o número de mortes de fuzilamento em fuzilamento, no que o New York Times chama de “uma gamificação do assassinato em massa”. Os agressores frequentemente postam manifestos e, no caso de Christchurch, oferecem uma transmissão ao vivo do ataque. O objetivo é apelar aos impulsos agressivos inconscientes dos outros que fazem parte do grupo artificial virtual.[42]


O exame que Adorno faz da persistência obstinada, no período do pós-guerra, do tipo autoritário de personalidade orientou-se pelo objetivo de articular um “novo imperativo categórico após Auschwitz” – para que o Holocausto jamais se repita.[43] Para isso, segundo Adorno, a ideia kantiana de esclarecimento entendido como Mündigkeit, que significa maturidade política ou a noção de que o cidadão deve ser capacitado a falar por si mesmo como um sujeito autônomo (Kant 1996)[44] era central. Isso significa possuir a capacidade de romper com a compulsão à repetição incorporada na indústria cultural. O cidadão é capaz de falar por si mesmo, de acordo com Adorno, “porque ele pensou por si mesmo e não está apenas repetindo outra pessoa; ele se encontra livre de qualquer guardião” (Adorno 1998, 281, tradução nossa). A Mündigkeit é vital, além disso, para a capacidade do cidadão de resistir à conformação à opinião prevalecente, e possui uma relação próxima com o que Kant chamava de julgamento reflexivo. Ao mesmo tempo, Adorno enfatiza, com Nietzsche (e, depois, Kristeva), que somos todos “estranhos a nós mesmos”. Isso significa que aspectos de nossa experiência, a dor, por exemplo, o trauma e o sofrimento, nunca podem ser completamente transparentes, nunca podem entrar em conceitos sem que algum excedente ou resto escape à compreensão. Nisso, como sugeriu o psicanalista Christopher Bollas (2019), a pluralidade genuína da democracia deve ecoar a pluralidade no interior da mente. Tal pluralidade, no entanto, não se realizará até que a oposição entre liberalismo e democracia seja transcendida e superada.

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NOTAS

1. Gostaria de agradecer a John Abromeit, Ian Angus, Rosemary Bechler, Hilda Fernandez-Alvraez, Martin Jay, Claudia Leeb e Harriet Olivette Wills pelos comentários prestativos feitos a rascunhos deste capítulo. Uma versão anterior foi apresentada no Instituto de Filosofia da Academia Tcheca de Ciências, em Praga, no mês de junho de 2019. Sou grato a Joe Grim Feinber e a Pavel Siostrzonek por suas questões e intervenções inspiradoras

2. Ver Haag (2019).

3. Ver Ben-Ghiat (2019) e Browning (2018).

4. A legislação anti-imigrante da Hungria, denominada “Stop Soros Law”, é um bom exemplo disso. Ver Hungary (2018).

5. Ver Brown 2015. Aparentemente, Brown foi pega de surpresa uma vez que havia poucos indicadores do populismo autoritário que surgiria exatamente desta ordem neoliberal. Em um certo sentido, a anulação[undoing] também foi uma libertação do demos (o povo). A perspectiva fucaultiana de Brown acerca do neoliberalismo, ainda que seja uma das melhores, não é capaz de identificar a reação populista por ele engendrada. Ela trata disso posteriormente, por meio de uma leitura de Nietzcshe, em seu ensaio “Neoliberalism’s Frankestein: Authoritarian Freedom in Twentieth-First Century ‘Democracies’” (Brown 2018).

6. Ver Foucault (2008).

7. Ver Wolin (2016). Ver também a seção “The Frankfurt School and the New Right” na revista Logos (2017). Um de seus melhores artigos é o de Jay M. Bernstein, no qual sugere que o “Teoria Freudiana” de Adorno pode ser lido “como se tivesse sido escrito justamente para explicar o fenômeno Trump” (Bernstein 2017, tradução nossa). Contudo, o que ele tende a não enfatizar é que o fenômeno Trump foi possibilitado por um conjunto distinto de arranjos socioeconômicos que são globais. Por fim, ver também Brown, Gordon e Pensky (2017) e o excelente artigo de Claudia Leeb (2018).

8. Isso foi recentemente descrito de maneira tremendamente eloquente e inspiradora por Neel (2018).

9. Löwenthal (1949).

10. Freud (1990).

11. Tal como, por exemplo, Max Weber (2010) analisa em sua Ética protestante e o espírito do capitalismo, seu estudo do papel crucial do puritanismo na emergência do capitalismo na Europa ocidental.

12. Ver, por exemplo, Deleuze e Guattari (2009).

13. Sobre este assunto, ver o artigo de Siegfried Kracauer, publicado em 1938, sobre o fascismo: Totalitäre Propaganda (Kracauer, 2013); ver também Abromeit (2020).

14. Conforme Horkheimer, Marcuse e Fromm já haviam sugerido, em suas pesquisas sobre a família na década de 1930, e psicólogos sociais, como Alexander Mitscherlich, iriam subsequentemente enfatizar nos anos 1960 (Mitscherlich 1992).

15. Esta diminuição da agência individual foi acelerada pela guerra e é um fenômeno que pode hoje ser compreendido através das transformações resultantes do deslocamento do setor industrial para o de serviços e a subsequente “feminização” do trabalho, levando a uma crise profunda da masculinidade heterossexual. Uma tal crise é fundamental para se compreender o retorno de uma extrema-direita misógina e o apelo de seus porta-vozes, como o psicólogo de influência jungiana Jordan Peterson. Ver Bowles (2018) e também Fluss (2018).

16. Adorno (2008)

17. Em sua Genealogia da Moral, Nietzche observou claramente esta dinâmica, referindo-se a ela como o ressentimento que habita o núcleo da “moral do escravo” que o cristianismo tomou do judaismo, segundo a qual a identidade interna de um grupo é constituída pela pura negação do grupo estrangeiro.

18. Embora seja um erro aproximar demais o fascismo das políticas identitárias contemporâneas da esquerda, podemos notar claramente a presença, nelas, do “truque da unidade”. Ver Gandesha (2018).

19. Kristeva (1982).

20. A experiência dos corpos femininos como fundamentalmente abjetos, expressa nos escritos de Freikorps, tiveram um papel importante, de acordo com Klaus Theweleit nos dois volumes de suas Male Fantasies (Theweleit 1987).

21. Apesar de não ser mencionada por Adorno, havia uma linha direta de transmissão da psicanálise para a indústria cultural justamente pela figura de Edward Louis Bernays – o sobrinho de Freud. Bernays foi o criador das técnicas de propaganda psicanaliticamente orientadas para a indústria moderna. Este tipo de propaganda era chamado de publicidade [advertising]. Ver o filme de Adam Curtis, O século do ego [Century of the Self], de 2002

22. Ver Gandesha (2018) e também Abromeit (2018), onde ele discute em detalhe a transição do período fordista- keynesiano para o neoliberal e como isso criou as condições propicias para o populismo de direita.

23. Ver o trabalho de Jessica Benjamin que desafia as suposições normativas da tese da “sociedade sem pais” e, mais recentemente, a contribuição de Chiara Bottici à mesa-redonda, publicada pela Public Seminar, sobre o “Teoria Freudiana” (Bottici 2017).

24. Ver Piketty 2017, onde ele mostra que o retorno médio do capital ultrapassa em muito o aumento dos salários, levando a uma lógica de alargamento das desigualdades socioeconômicas, o que reverte a tendência anômala dos trente glorieuses.

25. Ver Lapavitsas (2012), Lazzarato (2012) e Lazzarato (2015).

26. Conforme argumentaram Jay Frankel e Lynne Layton, isso também leva à vergonha – uma resposta comum ao trauma que resulta do sentimento de que há algo errado consigo mesmo. Ver Frankel (2015).

27. Sobre a ideia de “pós-fascismo”, ver Enzo Traverso (2019)

28. Ver Tooze (2018)

29. Ver Fassin (2019), que considera ambos o populismo de esquerda e de direita como, fundamentalmente, políticas do ressentimento.

30. Ver Gandesha (2018).

31. Ver Sanger-Katz e Katz (2018).

32. Ver Harwood (2017).

33. Frase pronunciada não apenas na campanha presidencial de 2016, mas reiterada no anúncio da campanha de  reeleição na Flórida. Ver Haberman, Karni e Shear (2019).

34. Ver Crowd (2019).

35. Ver Kendi (2019).

36. Ver Rubin (2019).

37. Ver Kimbal (2019).

38. Ver “The Cambridge Analytica Files” (2019)

39. Ver Davis e Mazzetti (2019).

40. Richard Seymour disse isso acerca do novo partido defensor do Brexit, liderado por Nigel Farage: “Diferentemente de modelos partidários mais antigos, ele não investe em infraestrutura perene. Ele é rápido, expert em mídias sociais – a bolsa de valores da atenção. Ele venceu a batalha por clicks e arrasou nas eleições. Estes frenesis online se assemelham aos fluxos desestabilizadores do dinheiro quente, forcando partidos tradicionais a adaptar-se ou morrer. Mas, quando o Parlamento está tão fraco e sua legitimidade é tênue, eles podem assemelhar-se a um levante democrático” (Seymur 2019, tradução nossa).

41. Ver o trabalho de Christian Fuchs, particularmente Fuchs (2018)

42. We (2019).

43. Adorno (1981).

44. Aqui temos um ponto em que discordo da interpretação de Vladimir Safatle: autonomia, no sentido proposto por Adorno, tem pouco a ver com a psicologia do eu de revisionistas neofreudianos como Karen Horney (a bête noire da escola lacaniana com a qual Safatle simpatiza). Na verdade, Adorno não tinha muito mais do que desprezo por  tal revisionismo. Ver Safatle (2017).

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